A coleção da Chef

Roberta Sudbrack reforça sua ousadia com nova coleção de ingredientes nada convencionais.

18/06/2015 18:20 / Por: Bianca Borges. Imagens: Leo Aversa / divulgação
A coleção da Chef
Sim, querido leitor, você leu corretamente: o termo é “coleção”. Mas antes de explicar seu significado, é preciso entender que Roberta Sudbrack definitivamente não está interessada em uma linha criativa que podemos classificar como “convencional”. Corajosa, a chef tornou-se pioneira no Brasil com as propostas gastronômicas apresentadas nos jantares com a sua assinatura e, mais tarde, no restaurante que leva seu nome, aberto no Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro, e que está completando uma década de existência este ano. Premiado com uma estrela no disputado Guia Michelin, o restaurante de Roberta ficou na 13ª posição na lista dos 50 Melhores Restaurantes da América Latina, publicada pela William Reed Business Media.
 
Em terras cariocas, foi a primeira a apostar no chamado “menu degustação”, em que o cliente é servido sem escolher os pratos previamente. Mas nenhuma proposta da chef surpreendeu tanto quanto a utilização de ingredientes tidos como “triviais” e renegados à “segunda categoria”, até então impensáveis na alta gastronomia. Driblando ideias pré-concebidas e sendo coerente com seu ousado estilo, Roberta elegeu quiabo, chuchu e jaca como estrelas para suas criações culinárias. Os ingredientes constavam em uma de suas mais elogiadas “coleções”.
 
Agora, a explicação: anualmente, Roberta organiza um jantar especial em que apresenta aos clientes a sua nova coleção, uma série de ingredientes que, ao longo de um ano, serão trabalhados, desdobrados e experimentados à exaustão em sua cozinha. Para escolher os itens, a chef volta os olhos exatamente para o que há de mais trivial na cozinha brasileira cotidiana, tentando encontrar um caminho para ir além dela. “Adoro perseguir outras dimensões para esses ingredientes: desvendar novas possibilidades, inserir uma narrativa atual que ajude a mudar a forma como são vistos e usados. Assim, busco exercer uma influência à altura da nossa riqueza culinária, na construção de um sentido mais amplo, que ultrapasse o excêntrico”, explica a chef.
 
Batizada de “Terras Navegantes”, a nova coleção propõe uma viagem pelos sentidos a partir dos ingredientes vindos das mais diferentes regiões brasileiras, sendo alguns também originários de outros países. “O interessante não é exatamente onde se originaram os ingredientes, mas, como o alimento estrangeiro, vindo de tantas partes, de tantas naus, misturou-se entre nós e, através do tempo, transformou-se em uma comida tão nossa que, mesmo sem ter nascido no Brasil, é evidente a sua brasilidade. Vindos de Portugal, África, China ou com os imigrantes ocidentais, orientais ou os que nos foram apresentados pelos nossos povos indígenas”, defende a chef no texto de apresentação da coleção.  
 
Entre os eleitos, estão repolho, batata e, novamente, aparecem o chuchu, o quiabo e o maxixe. Surge um inusitado jamón pernambucano e, em uma clara homenagem às suas origens, a chef vai buscar a erva do chimarrão para compor novos pratos. Quando o assunto são frutos do mar, ela continua com a máxima de “o que a natureza oferecer”. Como seu restaurante não possui um menu fixo, ela tem a flexibilidade de trabalhar com os produtos disponíveis para aquele dia, atendendo o seu preceito de respeitar o tempo e as estações dos alimentos, e assim obtê-los mais frescos. A herança nordestina surge no aipim, no feijão de corda, no mel de caju e na paçoca de carne de sol. As linguiças artesanais remetem ao interior paulista.
 
De origem gaúcha, Roberta é apaixonada pela cozinha brasileira tradicional e não esconde seu apreço pelas culinárias regionais da Amazônia, do Cerrado e do Nordeste. Além do mergulho na tradição da cozinha de raiz, ela considera fundamental em seu processo criativo a experimentação, a pesquisa e a aproximação da culinária a outras vivências, incluindo experiências artísticas. “Costumo dizer que há mais coisas entre o prato e a boca. Nesse sentido, encaro a culinária como parte da experiência humana e, como tal, ela se aproxima das demais artes, dentro de uma perspectiva de que todas elas se voltam para instigar os sentidos e provocar experiências únicas. Gosto de olhar a gastronomia sob essa perspectiva reflexiva e cultural que interliga a arte culinária a vários processos do conhecimento humano”.  
 
Autodidata, a chef tem em suas viagens dentro e fora do Brasil uma das principais fontes de inspiração e de pesquisa de novas referências. “As viagens sempre foram uma grande fonte de aprendizagem; não só os restaurantes (famosos ou não), como também os mercados locais, as feiras, os supermercados, as pessoas, as exposições de arte, a música, os passos de um ballet que assisti e, acima de tudo, os livros que gosto de comprar. Essas sempre foram minha fonte de conhecimento e minha forma preferida para aprender. Fica tudo armazenado em minha memória e, na hora de pensar a nova coleção, isso emerge de alguma forma”. 
 
Outro aspecto que se destaca em sua gastronomia é o apelo emocional. Alguns pratos criados pela chef têm, no fundo, o gosto de uma doce recordação e a capacidade de resgatar lembranças sensoriais. Eles apelam para a memória afetiva dos clientes na mesma medida em que a chef tenta reproduzir em sua cozinha as sensações que eram despertadas pelas comidas preparadas pelos seus avós, quando ela era ainda uma menina. “Busco uma cozinha de essência, feita à mão em um minucioso processo que permita dar a devida atenção ao detalhe. Essa sempre foi minha preferência: fazer ponte entre os tempos gastronômicos, unindo o clássico e o moderno, as tradições às iniciativas; sem deixar de fora o simbólico, os elementos lúdicos que mexem com todos os sentidos e vinculam as nossas emoções”, detalha.
 
Roberta não tem medo de revisitar o passado. Ao contrário, ele é fonte constante de novas pesquisas, experimentações e reinvenções para sua cozinha. Na mais recente incursão aos velhos tempos, ela resgatou o seu famoso cachorro-quente, personagem que foi praticamente o responsável por inseri-la na gastronomia – antes disso, ela sonhava em ser veterinária.  
 
 
De volta ao começo de tudo

Ainda jovem, Roberta se viu diante da necessidade de ganhar dinheiro para sustentar a avó, após seu avô falecer. Ela, que nunca havia cozinhado antes, passou a vender nas ruas de Brasília, onde morava, um cachorro-quente feito com o molho preparado pela matriarca e o melhor pão, a melhor salsicha e o melhor queijo que conseguiu encontrar no mercado, porque pra ela “a qualidade dos ingredientes é inegociável”. Surgia ali o primeiro sinal de que ela se tornaria uma chef. Hoje batizado de SudDog, o cachorro-quente é a atração principal do food truck que ela inaugurou há alguns meses no Rio de Janeiro e que já conquistou o público da cidade. 
 
Obstinada, ela abraçou essa nova empreitada com a mesma disciplina e rigor que encara o trabalho em seu sofisticado restaurante, e não acredita que trabalhar com duas vertentes tão distintas possa confundir sua identidade gastronômica. “A minha identidade está no produto e na forma como eu o encaro, com respeito e reverência, e não na linguagem (erudita ou popular, formal ou informal). Mesmo para alguém com uma história devotada à alta gastronomia como eu, o desafio é justamente não confundir. No meu caminhão faço comida de rua e é justamente isso que me encanta na culinária, as suas infinitas possibilidades”.
 
Para enriquecer a experiência no food truck, ela viajou até a Europa, onde pesquisou entre as novidades e o que há de mais tradicional nas propostas e formatos das comidas que são vendidas nas feiras e nas ruas do velho continente. “Sou insuportavelmente dedicada em tudo o que faço e altamente exigente comigo mesma. Se resolvi voltar a fazer comida de rua, um retorno ao meu começo, à minha história, quero fazer da melhor maneira possível e proporcionar ao meu cliente uma experiência, por mais rápida e diferente que seja. Continuo querendo emocionar e levar alegria para onde quer que eu vá”, resume.
 
Receita
 
Bolo molhado de Chocolate Amargo e fruta-pão fermentada
 
 
Bolo

• 5 ovos
• 400g de chocolate meio amargo picado
• 150g de manteiga sem sal
• 150g de açúcar de confeiteiro
• 50g de farinha de trigo
• Polpa de fruta-pão bem madura mantida em geladeira por 4 dias
 
Calda

• 200g de chocolate ao leite picado
• 100ml de creme de leite fresco
• 20g de manteiga sem sal
Bata as claras em neve e reserve. Derreta o chocolate, a manteiga e o açúcar em banho-maria. Misture as gemas e mexa vigorosamente. Peneire a farinha de trigo e misture delicadamente ao chocolate. Acrescente as claras em neve fazendo movimentos de cima para baixo. Coloque em assadeira untada de 22 cm de diâmetro e asse em forno pré-aquecido a 180°C até que, ao tocar, a superfície esteja seca, cerca de 10 minutos. Por dentro, o bolo deve estar bem macio e úmido. 
Para a calda, derreter todos os ingredientes em banho-maria e misturar bem, com a ajuda de um fouet. 
Sirva uma fatia do bolo com uma colher da polpa de fruta-pão e a calda, por cima.
Rendimento: 8 porções.
 
Arroz com Tomate Doce
 
 
• 200g de arroz para sushi
• 400ml de água
• 200g de açúcar 
• 1 litro de leite
• 2 favas de baunilha
• Casca de 1 limão siciliano, sem a parte  branca
• 400ml de creme inglês
• 10 tomates do tipo débora, pequenos e bem vermelhos
• Cal virgem
• 500g de açúcar
• 250ml de água
• Brotos de cenoura
 
Lave o arroz de 5 a 7 vezes, até obter uma água transparente. Escorra. Em uma panela média, adicione a água, tampe e leve para cozinhar em fogo alto até ferver. Abaixe a chama para o mínimo e deixe cozinhar por mais 7 a 10 minutos, até que o arroz esteja cozido.
Em uma panela grande, ferva o leite, a casca do limão e a baunilha. Adicione o arroz cozido e mantenha em fogo baixo por aproximadamente uma hora. Mexa ocasionalmente para que o arroz não grude no fundo da panela e nem forme grumos. Retire do fogo, misture o açúcar e mantenha em geladeira até formar um bloco de arroz. 
 
Corte os tomates ao meio, no sentido do comprimento. Disponha-os num silpat, com as sementes para cima, e leve ao forno a 120°C, por cerca de duas horas ou até que fiquem secos por fora, mas com alguma umidade no interior. Retire do forno e deixe-os numa solução de um litro de água e 1 colher de sopa de cal virgem por uma hora. Faça uma calda com o açúcar e a água e coloque as metades de tomate cuidadosamente para cozinhar. Deixe em fogo baixo por aproximadamente 30 min, até que estejam macios, mas com as metades inteiras. Armazene em um pote fechado na geladeira.
 
Retire as cascas de limão e as favas de baunilha do arroz. Em um processador, bata o arroz com o creme inglês até obter uma textura de um mingau de aveia. Mantenha na geladeira até servir. Sirva uma colher de sopa cheia do arroz no centro do prato. Corte o tomate ao meio e deite-o delicadamente sobre o arroz. Decore com brotos. 

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