A complexidade da simplicidade

Características antagônicas convivem em perfeita harmonia quando o assunto é Paulinho da Viola.

22/06/2012 09:24 / Por: Lorena Filgueiras e Camila Barbalho / Foto: Diego Ventura
A complexidade da simplicidade

“Eu nunca me vi como cantor. Eu acho que o cantor deve ser...  é outra coisa, que eu não alcancei. A minha preocupação maior sempre foi querer mostrar a composição. Da maneira mais afinada possível”. À primeira vista, a declaração acima não combina com seu autor. Paulo César Batista de Faria, ou simplesmente Paulinho da Viola, é considerado um gênio da Música Popular Brasileira – título que ele elegantemente recusa.  “Para mim, gênio mesmo foi o Pixinguinha. Esse sim é digno de ser chamado assim”.

Para entender tanta complexidade, dentro de um modo tão simples de ver a vida, é preciso conhecer um pouco da trajetória de um dos maiores nomes da música brasileira. Filho de um violonista (César Faria, do lendário grupo Época de Ouro, conjunto de choro mais tradicional e longevo do país, criado por Jacob do Bandolim), Paulinho cresceu no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, entre músicos e histórias desse universo.  História dele próprio que, inspirado pelo pai, começava a ser escrita.

Filho de peixe

O violonista César Ramos de Faria sustentava a família com um emprego estável na Justiça Federal, e, nas horas vagas, dedicava-se ao conjunto Época de Ouro. Paulinho, então adolescente, acompanhava o pai e viveu o sonho de muitos músicos de sua época: conviveu com personalidades do quilate de Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Tia Amélia, Canhoto da Paraíba. Esse período inspirou Paulinho a compor “14 anos”. À época, em uma conversa de pai para filho, o pai perguntou-lhe se queria estudar filosofia, medicina ou engenharia. Ao ouvir que a inspiração era outra, que o coração estava rendido para as cordas do violão, ouviu do mestre: “Sambista não tem valor nesta terra de doutor”.  

Aos 19 anos, um encontro com o poeta Hermínio Bello de Carvalho seria determinante no futuro do rapaz acanhado, de fala compassada. É Hermínio quem apresenta compositores como Zé Ketti, Elton Medeiros, Anescar do Salgueiro, Carlos Cachaça, Cartola e Nelson Cavaquinho a Paulinho. Cabe também a Hermínio ouvir os primeiros versos tímidos do jovem sambista e levá-lo ao Zicartola, bar do sambista Cartola e de sua mulher, dona Zica.

Cinco décadas já se passaram desde aquele dia e, às vésperas de completar setenta anos de idade, Paulinho da Viola se renova. Na companhia de Beatriz Faria, 31, Cecília Rabello, 32 e João Rabello, 30, (três, de seus sete filhos) ele roda o país com várias apresentações, mantendo o ar intimista que lhe é familiar.

Portelense apaixonado, pai dedicado, compositor e instrumentista primoroso. Essas são algumas das algumas das qualidades (visíveis) de Paulinho da Viola. Mas há um lado pouco conhecido do músico, que mantém hábitos simples e não abre mão de preservar sua intimidade, embora muito generosamente tenha aberto as portas de sua casa na Barra da Tijuca, coração do Rio de Janeiro, para a Revista Leal Moreira. Nas páginas a seguir – que Paulinho não nos “ouça” – confira a simplicidade e a sofisticação do sambista mais genial do país.

Em “14 anos”, você narra uma conversa de pai para filho. Seu pai (o músico César Faria)  tentou te convencer a fazer outra coisa da vida, como filosofia, engenharia...?

Não. Meu pai não tentou mudar o que se manifestou desde cedo. Ele apenas dizia, como [creio] todos os pais dizem, que eu jamais deveria deixar de estudar.  Eu realmente achei que seria economista.

A música tocou mais forte no seu coração e você a transformou na   sua profissão, paixão que aparentemente também tocou seus filhos. Você alguma vez tentou convencê-los a seguir outra carreira? Como surgiu a ideia de sair em turnê com três deles?

Os filhos são uma das coisas mais gratificantes que a gente tem. Em relação à escolha deles, fiz o mesmo que meu pai. Dos [meus] sete filhos, apenas um ainda não fez faculdade. Tem sido uma grande satisfação tocar ao lado do meu pai, do meu filho João e da Beatriz juntos.

Você conviveu com Cartola, que era mangueirense apaixonado, sendo você um portelense fervoroso. A relação era respeitosa?

Sempre foi (risos). A rivalidade entre os sambistas só existe na hora do desfile.

No começo de sua carreira, você se apresentava no lendário Zicartola Bar e não ganhava nada pelas performances, mas o Cartola discretamente lhe entregava o dinheiro da condução... Daí você costuma dizer que Cartola o profissionalizou. Você achava, à época, que poderia - e conseguiria - viver da música?

Não. Na época, eu realmente achava que faria uma carreira como economista.

 
Você é um dos nomes mais importantes da história da Portela, e do próprio carnaval. Como é sua relação com a escola e com o modo como se faz carnaval hoje em dia?

Atualmente, a minha atuação é bem pequena, exatamente por não encontrar mais alguns valores que gostaria que não tivessem se perdido. Apesar de tudo, não deixei de sair com a Portela.

Ao longo da sua carreira, você viu nascer os principais movimentos musicais brasileiros. O que mais marcou você?

Olha... penso que todos marcaram de alguma forma a minha geração. No meu caso, até a Bossa Nova influenciou... apesar da influência maior da música tradicional.

Quais eram os maiores desafios à época? Eles são maiores hoje?

Ah, os desafios eram muitos... Espaço na mídia, a qualidade precária do som, o regime militar, a censura... Hoje, na minha opinião, os maiores desafios são a pirataria e a falta de espaço para divulgação.
 
Embora o samba não seja um modismo nem tenha saído de foco na música brasileira, nos últimos anos o estilo voltou a ser muito frequentado por novos compositores e intérpretes. Você acompanha essa produção mais recente? O que difere o samba de hoje do samba feito há algumas décadas? Alguém em particular chamou sua atenção?

O samba se transforma, assim como a vida. São muitos os novos sambistas que conseguem trazer outras ideias e algumas delas são muito interessantes.

Você cultiva uma vida de hábitos simples e tem hobbies que poucas pessoas conhecem, como a marcenaria e a restauração de carros antigos. Ainda tem a paixão por sinuca.... Que outros pequenos prazeres você cultiva em seu dia a dia?

Adoraria ser colecionador de carros antigos, mas só tenho dois, que foram restaurados por mim. Respeitei o tempo deles. Se eu não fosse músico, eu seria marceneiro. Além disso, gosto de ler e conversar com meus amigos e minha família. Só isso.

Você é muito reservado e pouco se sabe da sua rotina familiar. Ou melhor, sabia-se, até o lançamento do documentário “Meu tempo é hoje”, de Izabel Jaguaribe e do jornalista Zuenir Ventura. Como você recebeu a ideia - e o convite - de um documentário sobre você?

Olha, no princípio eu relutei um pouco. Depois, adorei fazer o trabalho e acho que, no final, ficou muito bom. Gostei muito.

Apesar da fama, de quais rotinas ou hábitos você não abre mão?

Ah, ler e (risos) jogar minha sinuquinha de vez em quanto.

Em principio, sua música era extremamente popular, feita para as massas, tal qual o samba tradicional. Porém, a crítica e a mídia passaram a considerar você um artista extremamente sofisticado, rendendo, inclusive, a alcunha de Príncipe do Samba. Entre as duas visões, como o Paulinho vê a si mesmo?

Você está sendo muito gentil, mas o “príncipe do samba” chama-se Roberto Silva, um dos maiores sambistas de todos os tempos. Sinceramente, não vejo nada tão sofisticado assim no meu trabalho. Acho até que ele é simples demais. A Clementina de Jesus era – essa sim – muito mais sofisticada.

Como você lida com o fato de ser considerado um “gênio da música popular brasileira”?

Sem falsa modéstia, não me vejo assim. Para mim, gênio mesmo foi o Pixinguinha. Esse sim é digno do título. Há outros muito bons, mas não muitos.
 
O show virá para Belém?

Espero que sim! Tenho muitos amigos em Belém e o público paraense é sempre maravilhoso!

Nesses 70 anos de vida e quase 50 de carreira, o que você gostaria de ter feito e ainda não fez?

Ainda não fiz 70 anos. Dizem que não se deve comemorar o aniversário antecipadamente (Paulinho abre um sorriso encantador). No mais, apesar das inúmeras frustações que todos têm, gostaria de terminar de fazer meu próprio cavaquinho. Na verdade, eu ainda sonho com muitas coisas....

Discografia

- Rosa de Ouro (1965)
- Roda de Samba – conjunto A Voz do Morro (1965)
- Roda de Samba 2 (1966)
- Rosa de Ouro Volume 2 (1967)
- Os sambistas - conjunto A Voz do Morro (1968)
- Samba na madrugada - Paulinho da Viola e Elton Medeiros (1968)
- Paulinho da Viola (1968)
- Foi um rio que passou em minha vida (1970)
- Paulinho da Viola (1971)
- Paulinho da Viola (1971)
- A dança da solidão (1972)
- Nervos de Aço (1973)
- Paulinho da Viola (1975)
- Memórias Chorando (1976)
- Memórias Cantando (1976)
- Paulinho da Viola (1978)
- Zumbido (1979)
- Paulinho da Viola (1981)
- A toda hora rola uma estória (1982)
- Prisma Luminoso (1983)
- Eu Canto Samba (1989)
- Paulinho da Viola e Ensemble (1993)
- Bebadosamba (1996)
- Bebadachama (1997)
- Sinal Aberto - Toquinho e Paulinho da Viola (1999)
- Paulinho da Viola - Meu tempo é hoje (2003)
- Acústico MTV (2007)

 


   

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