A rota cervejeira na Europa

Ricardo Gluck Paul, viajou para a Europa e percorreu o caminho da devoção de todo amante de cervejas.

06/10/2014 12:00 / Por: Ricardo Gluck Paul/ Fotos: arquivo pessoal
A rota cervejeira na Europa
Quem nunca pensou em curtir férias em Napa Valley, Mendonça, Chile, França e demais localidades vinícolas, atrás das deliciosas rotas do vinho, conhecendo as fábricas, suas imponentes sedes, restaurantes e cartas de harmonizações?!? 
 
Sem dúvida, trata-se de um grande programa romântico para fazer sem pressa alguma e na melhor companhia possível! Uma linda paisagem, clima agradável, belos hotéis, gastronomia ímpar ... o que mais se pode querer de uma viagem perfeita como essa? 

Bem, no meu caso, sendo bastante franco e direto: cerveja!!

Assim como o vinho, a cerveja também oferece uma série de rotas bastante românticas para serem feitas a dois ou em casais com interesses gastronômicos. Okay, claro que dá para fazer sozinho também e até mesmo com um grupo de amigos, desde que sejam “marmanjos cervejeiros”. Na verdade, dá para fazer como quiser, pois a cerveja é democrática e aberta a todos os tipos de possibilidades. No meu caso, preferi viajar a dois com a minha gata pelas estradas da Bélgica.
 
Nem só de chocolate vive a Bélgica
 
O país está entre as três principais escolas cervejeiras do mundo e é apontada por muitos especialistas como a mais fascinante. Os belgas fazem uma infinidade de estilos de cervejas diferentes e contam com milhares de fábricas espalhadas pelo país. Uma grande parte dessas fábricas são abertas para visitação e contam com restaurantes e cafés próprios, onde se pode consumir seus produtos harmonizados com a gastronomia local.  

Ainda na Bélgica, encontramos a rota das cervejas trapistas, fabricadas por monges em monastérios trapistas, uma ordem cristã de origem beneditina. São monastérios que produzem cerveja há séculos, para sustentar os custos de suas atividades, incluindo ações de caridade mundo afora. Suas cervejas são aclamadas nos quatro cantos do planeta e veneradas por uma legião de fãs no mundo inteiro. Das dez cervejarias trapistas existentes no globo, seis estão na Bélgica e algumas delas oferecem excelentes opções de visitação e degustações.
 
Pé na estrada

Nosso roteiro inicia na Holanda, onde ficamos três dias em Amsterdam, uma cidade fantástica, liberal, de intensa atividade cultural e, lógico, repleta de vários pubs com excelentes cervejas locais. A visita na Heineken Experience (museu da Heineken) é obrigatória e sem dúvidas um dos pontos altos da cidade. Encaramos Amsterdam apenas como a porta de entrada e, no terceiro dia, pegamos um carro e seguimos direto para o Sul, na direção da Antuérpia, cidade Belga da região dos Flandres, onde o holandês é a língua oficial.

A Antuérpia é uma cidade linda e serve como base para visitar três cervejarias trapistas: Achel, Westmalle e La Trappe. Das três, apenas a La Trappe tem esquema de visitação no interior da fábrica e na própria abadia, mas todas possuem restaurantes próprios onde é possível beber suas cervejas tiradas na pressão, além de comer uma série de delícias saídas diretamente da cozinha dos monges. Um verdadeiro festival gastronômico.

Da Antuérpia, ainda na região dos Flandres, seguimos direto para Ghent, onde fica a sede da Delirium Tremens, aquela cervejaria cujo rótulo tem um simpático elefantinho cor de rosa. A cidadezinha medieval é um deleite para os turistas, com inúmeras opções de passeios de barco, cafés e ruelas para se perder e se encontrar. Almoçamos na própria cidade e depois partimos para conhecer a fábrica da Delirium. A visitação na cervejaria é fantástica e é finalizada com uma seção interminável de degustação de todas as cervejas fabricadas no local.

A próxima parada é Bruges, que dispensa comentários. Segundo destino mais visitado na Bélgica, Bruges encanta de cara qualquer visitante. Uma cidade medieval, cercada de canais, igrejas, casarões antigos e praças maravilhosas. Lá, ficamos por três dias e duas noites para visitar três cervejarias: a local De Halve Maan, a Sint Bernardus e a icônica abadia de Saint Sixus que fabrica a lendária Westvleteren XII, considerada pelos mais importantes rankings como sendo a melhor cerveja do mundo.

A abadia de Saint Sixus é extremamente fechada e suas cervejas são comercializadas apenas no local. Lá, os monges mantem um restaurante, o in de vrede, que serve seus produtos tirados na pressão. O prazer de beber uma Westvleteren XII fresquinha não tem preço, mas há uma outra razão ainda mais especial para se estar lá: em algumas ocasiões, os monges colocam à venda as garrafas dessa cerveja especial na lojinha do café. Nesses casos, cada visitante sortudo pode comprar duas preciosas caixas com 6 garrafas cada. Nada mal, hein?

De Bruges seguimos para sul da Bélgica na cidade de Chimay, na região da Valônia, onde o Francês é a língua oficial. Na abadia de Notre-Dame de Scourmont, é fabricada uma das cervejas trapistas mais conhecidas no mundo: a Chimay. Lá, é possível visitar o interior do monastério e acompanhar os cantos dos monges trapistas. No complexo da abadia se encontra o Space Chimay com o restaurante oficial, um museu multimídia (Chimay Experience), uma lojinha da marca e um hotelzinho chamado de Auberge de Poteaupré, onde é possível obter a experiência completa de um jantar harmonizado com todos os produtos da cervejaria, encerrando sua estada com uma hospedagem digna dos monges: silenciosa, confortável e com o frigobar lotado de Chimay. Hospedar-se no complexo do monastério é uma experiência única e inesquecível.

No dia seguinte, rumamos para Bruxelas com parada em mais duas grandes cervejarias, a St. Feuillien, que fica no meio do caminho e a Cantillon, localizada dentro de Bruxelas. Ambas com esquema de visitação e degustação. Ah, vale destacar a Cantillon porque foi onde conhecemos o método único de se fazer cerveja através da fermentação espontânea, sem adição direta de leveduras deixando que o microambiente seja o responsável por todo o processo de transformação do açúcar contido no líquido prestes a virar cerveja.

Em Bruxelas, nos hospedamos próximo a Grand-Place, para mim a praça mais bonita da Europa. Dedicamos três dias inteiros a essa cidade justamente para fazê-la sem pressa, com bastante calma. Grand-Place, manneken-pis, sede da União Europeia, lojas de chocolate... Tudo muito lindo! Mas não se esqueça: estamos aqui pelas Cervejas! Em Bruxelas, existem dezenas de lojinhas fantásticas de cervejas, onde podemos fazer as últimas compras ou simplesmente admirar os rótulos ali expostos. 



Há também uma série de cafés e bares locais repletos de cervejas especiais.
 
No centro de Bruxelas, há o Moeder Lambic Original, uma loja especializada em cervejas artesanais, de pequena produção. Lá, se encontram cervejas raríssimas de extrema qualidade. Ainda perto da Grand-Place, temos o La Mort Subite, um bar secular envolvido pelo charme decadente de uma decoração art-déco inalterada desde a sua inauguração. Grandes mesas de madeira e fotos antigas constroem uma atmosfera tão intrigante quando sua carta de cerveja, com uma variedade fantástica de cervejas belgas. A carta não impressiona pela quantidade, mas pela qualidade da seleção.
 
Mas é nos arredores da Galeries Royales, em uma ruela minúscula, quando a noite cai, que o bicho pega em Bruxelas. Lá, sob o comando da Delirium Tremens Café, uma legião cervejeiros se espreme em três andares do bar que ostenta, certificado pelo livro dos recordes, a maior carta de cerveja do mundo com cerca de 3 mil variedades. Com decoração extravagante, que valoriza cada centímetro de suas paredes, e tetos com bandejas, placas e bandeiras de milhares de marcas de cerveja, o bar oferece música ao vivo e ambientes animadíssimos para turistas e locais que lotam seus espaços todos os dias.



Viajar pela Bélgica à procura de cervejas é – antes de tudo – uma aventura “etílico-gastro-cultural”. Paisagens lindas, histórias incríveis e sabores inesquecíveis. Em apenas poucos dias, nos envolvemos completamente pela cultura belga e sua paixão pelas cervejas. No início da viagem, ainda na fábrica da Delirium, já na fase de degustação das cervejas, perguntei ao gentil guia local o que ele achava das cervejas alemãs. Calmo, sem pressa alguma, completou seu copo com uma deliciosa cerveja de abadia chamada Averbode, olhou-me diretamente nos olhos e me respondeu com um sorriso quase cínico: “os Alemães fazem cerveja???”. 
 
Salve a Bélgica de todos os monges, de todas as brejas e de todos os bebuns! 

#Cheers!!

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