Científica inquietude

De criança inquieta a um prolífico artista, suas produções unem grafite ao universo científico.

03/07/2019 15:59 / Por: Dominik Giusti
Científica inquietude

Por: Dominik Giusti

Fotos: Divulgação/artista

A trajetória de Pas Schaefer é intensa. De criança inquieta a um prolífico artista, suas produções unem grafite ao universo científico, garantindo um resultado final delicado, sensível e surpreendente.

Quando criança, o artista Pas Schaefer era inquieto. Certo dia, a avó apostou em uma alternativa afim de que o menino ficasse um tempo parado: colocá-lo para desenhar a partir de livros de desenhos científicos. Ao vasculhar suas próprias recordações, hoje em dia, nosso entrevistado refere-se ao episódio como o primeiro despontar do que se transformou a sua carreira profissional – que une arte e ciência. Formado em Ciências Naturais pela Universidade de São Paulo (USP) e atuante como grafiteiro, ele tem um estilo peculiar de traço e temática. Em suas obras é possível observar animais com formas delicadas e em movimentos leves, o que o diferencia de uma escola tradicional de grafitagem e da street art. 

A ideia de juntar esses dois universos - que sempre estiveram juntos na história da ciência – para levá-los às ruas, veio na adolescência, quando ele começou a grafitar por influência de amigos e, ao mesmo tempo pela alma rebelde deste período da vida, em que ele se questionava sobre as coisas do mundo e sobre religiosidade. Mas a consolidação do seu estilo veio após conhecer a série “Arte e matemática” (TV Cultura), produzida pelo professor Luiz Barco, da USP, que une explicações sobre a matemática com exemplos como obras do francês pós-impressionista Paul Gauguin. 

“Pensava em ensinar ciências de um jeito mais interessante para crianças. E quando estava nas aulas, fazia minhas anotações com desenhos. E nesse período, fui me interessando cada vez mais pela Arte e comecei a viver um conflito, ou era cientista ou era artista. Quando pensava em ciência e arte, as minhas visões eram dicotômicas. Isso virou um caos dentro de mim, até que conheci um cara chamado Luiz Barco”, comenta Pas Schaefer. “Pensei: existe uma ponte entre arte e ciência! Isso mudou completamente meu jeito de ver o mundo”, completa.

Certa vez, Luiz fez uma palestra na universidade no mesmo dia em que Pas estava lá fazendo um grafite. “Não me liguei que era ele, mas quando notei, estava percebendo que o conhecia de algum lugar, pensei: é o cara que salvou a minha vida! Nos conhecemos e acabamos ficando amigos”, completa o artista, que hoje tem projetos sobre arte-educação, como o “Infografitti”, que une arte, ciência e informação, e já foi realizado em Ourinhos (SP). “Realizei menos do que eu gostaria, mas pretendo retomar esse projeto para realizar com crianças e adolescentes”, afirma.

“A ideia é juntar informação e grafite. Fizemos pinturas em Ourinhos sobre os camaleões, sobre o processo de produção de produtos derivados dos porcos, que é violento. Mas também pintamos moluscos, água vivas. Isso para ensinar ciência através do grafite”, explica.



Esportes radicais e viagens

Com a veia artística tendo se sobressaído sobre a do professor de ciências, Pas foi em busca de inspiração com a prática de esportes radicais. Mas na raiz, a mesma inquietação que o fez optar pelo curso, mas desta vez “entender como a natureza funciona e transformar em pintura”, ele diz. “Sinto que esse processo que hoje eu vivo, com esportes radicais, tem as mesmas raízes, para entender como a natureza funciona e transformar em pintura. Preciso agora experimentar a natureza”, celebra, dizendo que terminou recentemente um curso de paraquedismo. 

Dentre os locais que ele já passou, estão cidades da França, Espanha e Portugal e também do Brasil. Os destinos servem para criar, para manifestar a arte do que ele sente ao se deslocar para outro território para mais próximo de si - quando arrisca a própria vida por meio do esporte. Um exemplo foi quando ficou por um mês em um castelo francês e passou a se envolver com o simbolismo da porcelana, associando à fragilidade e à beleza da vida. A porcelana será a temática de sua nova exposição, ainda sem data para ocorrer, em parceria com Micha, também artista.

“É sobre a brevidade da vida, os últimos momentos antes de morrer. Veio também da observação da pintura das louças portuguesas. Quando fiz meu primeiro salto solo, sabia que corria um risco grande e me perguntei: quais são as coisas mais importantes que tenho que fazer? Daí fui entender o símbolo que estava na porcelana”, explica o artista.



Em outra aventura, junto com a sua esposa, cruzou o país, de Curitiba até a Paraíba, de carona, sem pressa para retornar para casa, apenas observando a paisagem e nutrindo-se de referências para criar. Ele também já passou por Belém e Alter-do-Chão, em Santarém.

A morte e o questionamento sobre a vida são uma forma de trazer para as suas obras reflexões universais. Pas acredita que a arte contemporânea está impregnada de um discurso pessoal, de uma criação a partir de uma narrativa íntima do artista e quer fazer o contrário. “Não quero falar de mim e sim da natureza”, explicita. Outro motivo de adotar esse pensamento para produzir é pensar a cidade como um espaço para a melhor convivência entre os habitantes, por isso os grafites têm seu formato diferenciado. “É uma espécie de pintura mais delicada e lúdica, como uma acupuntura urbana. Acho que é o que as cidades estão precisando”, opina.   

Dessa orientação surgiu a sua primeira exposição, intitulada “Vida e morte subaquática”, exposta em 2012, em São Paulo, com o interesse em entender a vida na água e a forma de sobrevivência nesse ecossistema. “Quando criança pulei no mar e toquei numa água viva. Já saí gritando, mas encantando com aquele bicho, que tem potencial de leveza e agressividade. É a forma de sobreviver”, relembra. A mostra trouxe as águas vivas, polvos e outros animais marinhos. “Para mim, o polvo é o símbolo mor da sobrevivência subaquática. Ele consegue se virar, sair de inúmeras situações, é polivalente”, comenta.

Memórias do começo

“Sou do Brás, um bairro que não é muito bem visto em São Paulo. Com 13 anos tinha um amigo de uns 18, conhecido como ‘Formiga’, e ele grafitava. Mas um dia ele sumiu e pensei que ele havia sido preso. Mas logo depois soube que ele foi assassinado. Foi com ele que comecei a ir para a rua e logo quando fiz o primeiro, com 14 anos, na linha do trem, já tive que correr da polícia. Prometi para mim mesmo que nunca mais ia fazer aquilo”, relembra.

“A segunda vez invadimos uma casa que pensávamos que estava abandonada, mas não estava. Chamaram a polícia e corremos de novo, fui para casa. E tomei um ‘couro’ da minha mãe, cheguei esbaforido. Ela perguntou o que tinha acontecido, eu disse que não tinha ocorrido nada.  Apanhei e pensei que nunca mais vou me meteria nesse negócio de grafite”, recorda, sabendo hoje que quebrou a promessa para si próprio e construiu um caminho pautado na sua relação com a ruas e as cidades. 

Nessa época, no início da adolescência, Pas queria também saber mais sobre questões de espiritualidade e sobre quem era Deus, com a ideia de entender como funcionava a natureza, já que ouvia que Deus era o criador da natureza e do universo. “Então pensei, se for falar com quem criou, vou sacar tudo. Queria estudar, mas fui para igreja evangélica. Em pouco tempo, não me identifiquei. E foi somente quando entrei na faculdade e comecei a fazer perguntas diferentes tive respostas diferentes. E com isso, comecei a me desconectar da espiritualidade e da religiosidade em si e transpus estes questionamentos para a arte”.

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