Cristina Serra

Se ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro é sinônimo de vida bem vivida, pode-se dizer quer a jornalista paraense Cristin Serra foi além do que se prega o ditado popular

19/09/2017 16:29 / Por: Trisha Guimarães Imagens:Paulo Ferraz e Arquivo Pessoal
Cristina Serra

 

Ela saiu do mesmo sol que nos torra a testa para virar uma espécie de lenda narrada pelos corredores das faculdades de comunicação. Também, pudera. Foi aos 19 anos que a paraense Cristina Serra deixou a capital paraense ao transferir o curso de jornalismo da Universidade Federal do Pará (UFPA) para a Universidade Federal Fluminense (UFF). “Cheguei ao Rio de Janeiro com uma mão na frente e outra atrás, sem a menor das expectativas”, avalia. A jovem Cristina começou a carreira no Jornal do Brasil, o JB, em 1986. “Era o sonho de todo estudante de jornalismo trabalhar naquela redação”, lembra.

Do JB para cá, escreveu para a Revista Veja e fez carreira na TV Globo, atuando como repórter em telejornais como o RJTV, Bom Dia Rio, Jornal Hoje e Jornal Nacional. Nesse período, ela se consagrou como repórter de política. Foi a convite da TV Globo que passou a ser correspondente da emissora em Nova Iorque, no ano de 2002. “Quando falei para a minha mãe que eu queria ser jornalista, ela me disse que eu teria que ser uma Sandra Passarinho. Após receber a proposta para trabalhar fora do país, liguei para a minha mãe e disse: Olha, não vou para a Europa que nem a Sandra, mas estou indo para os Estados Unidos”, conta.

Em 2012, integrou o quadro “As meninas do Jô”, no Programa do Jô. Mais recentemente, em 2015, passou a integrar o quadro de repórteres do Programa Fantástico. Paralelamente, colecionou projetos audiovisuais, de rádio e de impresso. Já fez tanta coisa, que inclusive teve uma coluna nessa revista que vos escreve. Agora, aos 54 anos – divulgados pela própria sem qualquer titubeio - mais um projeto inédito: a jornalista se prepara para lançar o seu primeiro livro-reportagem. O tema? O maior desastre ambiental do país, a tragédia do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana, no Estado de Minas Gerais. “Isso é algo que não pode ser esquecido. Precisa ficar documentado”, explica.

Nessa entrevista exclusiva à Revista Leal Moreira, a jornalista fala não só da produção do primeiro livro, mas também sobre três temas com os quais ela possui grande afinidade: jornalismo, política e Amazônia.

 

 

Como você enxerga o nosso atual cenário político?

Essa pergunta é difícil, hein? Está muito difícil de tentar analisar e antecipar os cenários possíveis daqui para frente porque não sabemos qual será a próxima operação da Lava Jato, quem vai ser pego, o que os delatores estão denunciando. Acredito que ainda devam surgir algumas surpresas. Acho que apesar de a Lava Jato não ter a dinâmica que já teve, ela ainda tem um potencial de dano muito grande. É difícil prever quais as surpresas, pois o que veio à tona já nos escandalizou tanto! Mas o Brasil é assim mesmo, ele não cansa de nos surpreender. Especificamente falando das eleições de 2018, acho que a única coisa que a gente pode dizer com alguma segurança é que terá um cenário de candidatos de direita e de extrema direita com força, algo que não se via há muito tempo no país.

 

Você tem esperança no futuro do Brasil?

Eu tenho esperança porque acho que a gente tem obrigação de ter. Não podemos desistir do país onde criamos os nossos filhos. Vejo pessoas com uma situação muito mais difícil que a minha e que não desistem. Eu me sinto na obrigação de achar que vamos superar isso de alguma forma e que poderemos ter uma nova chance nas eleições do ano que vem. É bom lembrar que não terá só eleição para presidente, mas também para governadores, prefeitos, etc. A democracia se constrói através da base. Ou seja, precisamos ter muito cuidado para eleger todos os nossos representantes. O Poder Executivo Federal tem muita força no Brasil, mas os governadores e os prefeitos também têm. A democracia só funciona bem se todos souberem usar de forma responsável os seus instrumentos.

 

Prometo fazer perguntas menos complexas agora...

É bom que você está me fazendo refletir sobre assuntos que eu parei de acompanhar diariamente. Eu estou de licença da TV Globo, pois estou escrevendo o meu primeiro livro. Até para poder me concentrar nesse projeto eu atualmente acompanho à distância o debate político e faz tempo que eu não falo sobre isso. Eu dei um tempo para mim, sabe? Precisei me afastar para me jogar de cabeça nesse novo projeto.

 

O que podemos esperar desse novo projeto?

Eu tenho 25 anos de TV Globo. Isso é quase uma vida! Às vezes me sentia meio repetitiva e comecei a pensar que queria produzir algo diferente, mas não sabia o quê. Também estou com 54 anos. Acho que esse projeto tem a ver com uma mudança pessoal. É engraçado porque eu não tive crise nos 30, nem nos 40, mas nos 50 eu olhei pra trás e pensei: Meu Deus! Meio século! É inevitável fazer uma revisão de toda a vida. Olhando para trás, vejo que fiz muita coisa! Tenho consciência disso. Ao mesmo tempo, eu olhei para frente e questionei quanto tempo ainda tenho para viver. Será que eu tenho mais 10, 20, 30 anos de vida? Por mais que eu morra aos 80 anos, não terei mais o pique de trabalho que eu tenho hoje. No meio desse meu processo de reflexão aconteceu o desastre de Mariana, em Minas Gerais, e eu fui lá cobrir pelo Fantástico. Fui pelo menos umas cinco vezes lá. Em uma delas, fui passar o Natal com as famílias dos desabrigados. Essa experiência me marcou muito. Participei de um momento muito íntimo da vida daquelas famílias. Essa história foi entrando na minha vida de uma forma maior do que outras reportagens e concluí que o desastre de Mariana daria um livro. Não só pelo aspecto da vida daquelas pessoas que ali viviam, mas sobretudo pelo tamanho do desastre que foi. O Rio Doce, se não está morto, está na UTI. Isso precisa ser documentado para os próximos anos. Será um livro-reportagem sobre esse assunto, com a história das pessoas que foram vitimadas, relatando o impacto no Rio Doce, que de fato foi muito grande. Também serão mostrados detalhes da investigação que foi feita para se descobrir os motivos do rompimento da barragem.  Sempre quis escrever um livro e estava com vontade de voltar a escrever, pois eu comecei a minha carreira no jornalismo impresso.

 

A ideia de se afastar da TV e se dedicar a um projeto completamente novo foi para você uma espécie de período sabático, como fizeram os seus companheiros de emissora, a Glória Maria e o Evaristo Costa?

Para fazer o livro eu tive que tirar um ano sabático porque a história se passa toda em Mariana, Belo Horizonte e Espírito Santo. Tive que me dedicar a viagens para essas cidades. Pedi licença de seis meses no ano passado da TV Globo, voltei a trabalhar nesse primeiro semestre de 2017 e tirei a outra metade da licença agora. Entregarei o livro até o final do ano. Já consegui adiantar bastante coisa, mas ainda tem muito trabalho pela frente. Fazer um livro se mostrou muito mais trabalhoso do que eu imaginava inicialmente. Mas também estou super feliz. Eu acho que todo mundo depois de muito tempo de trabalho no mesmo lugar acaba querendo dar atenção a outras coisas. E a televisão absorve demais! Chega um momento em que você tem que optar por, por exemplo, dar mais atenção à família. Confesso que a família me motivou um pouco a dar essa parada na TV, pois apesar de estar ocupada na produção do livro, sou eu que faço o meu horário e tenho muito mais flexibilidade do que eu tinha. Acabou que eu também estou aproveitando para me dedicar mais à família.  

 

Você foi durante muitos anos correspondente em Nova Iorque. É verdade que fora do Brasil o jornalismo é feito de forma menos espetaculosa?

A forma de fazer jornalismo lá fora é, sim, mais sóbria, sobretudo a europeia. O meu padrão de jornalismo é o da BBC, que eu acho extremamente sóbrio e do jeito que eu acho que deve ser. Porém, acredito que nos Estados Unidos exista um pouco mais de estridência. Eu fico vendo as TVs americanas hoje em dia e não gosto do formato. É um jornalismo que possui muito ruído, inclusive visualmente, com excesso de ilustrações e informações no cenário, muitas vezes em movimento, em volta dos apresentadores. Acho que o rei do jornalismo tem que ser o conteúdo. Pela proximidade, acho que o jornalismo brasileiro acaba seguindo essa tendência norte-americana, de privilegiar a forma. Vejo a TV brasileira com os cenários cada vez mais enfeitados e abusando dos efeitos visuais. Eu não gosto. É uma opinião minha. Eu sei também que tem outras coisas no jornalismo do Brasil e dos Estados Unidos que funcionam muito bem. Mas eu gosto da sobriedade e da objetividade. A imparcialidade é um mito. Dia desses eu li uma entrevista feita com uma jornalista argentina no El País muito interessante. Ela afirmou que a imparcialidade, de fato, é impossível. Mas o jornalismo feito com honestidade é, sim, o mais objetivo possível. 

Você comentou em entrevistas passadas que tomava certos cuidados para não sofrer assédio e não ter o seu trabalho vinculado a algum partido no meio político. Como deve funcionar o relacionamento entre jornalistas e políticos?

Existe aquele ditado popular: “Assombração sabe para quem aparece”. Ou seja, cabe a você, enquanto repórter, de antemão, estabelecer os limites. No mundo político existem pessoas sem qualquer escrúpulo ou limite. Todos nós sabemos disso. A mulher, principalmente, tem que ter muito cuidado com as cantadas, as investidas. Comigo, na maioria das vezes, na primeira cortada funcionou. Mas não falo só de assédio. O jornalista tem que tomar certos cuidados para que os políticos não achem que são amigos dele. Político gosta de ter amigo jornalista porque sabe que pode se beneficiar disso.  Eu não tenho nenhum amigo político. Nenhum. Eu tenho fontes. Eu evito ao máximo sair para almoçar ou jantar com políticos. Isso só ocorreu em casos raros, quando não tinha outro horário ou quando eu estava com um grupo de jornalistas, ou seja, virava um almoço ou jantar institucional. Jantar sozinha com político? Nunca! Sempre marco de ir ao gabinete, durante o expediente, ou de ir tomar um café no próprio Congresso. Aquele papo de que tem que conversar com político fora do trabalho para obter informação privilegiada é algo que eu não vejo necessidade. Os políticos sabem muito bem como a relação com jornalistas funciona. Eles também precisam repassar informação para a imprensa.

 

Como é atualmente a sua relação com o Pará?

A minha família toda mora aí, inclusive meu pai e minha mãe, que graças a Deus ainda estão vivos. A única que mora fora sou eu. O meu plano quando eu fui embora de Belém era me formar, ficar uns dois anos ganhando experiência e retornar para atuar na imprensa local. Sempre tive vontade de voltar, mas a vida foi me levando para outros caminhos. Eu vivo indo a Belém. Pelo menos duas vezes por ano. Tento ir no Círio de Nazaré, no Natal ou no aniversário de algum parente. Confesso que gostaria de ir mais, até porque os meus pais já estão idosos e eu queria ficar mais perto deles. Adoro também as praias do Pará. Na minha opinião, não existem mais bonitas. As nossas praias são um segredo bem guardado dos paraenses, pois ainda são desconhecidas. Adoro ir a Salinas, Algodoal, Mosqueiro, Curuçá, Ajuruteua... Eu ia a Ajuruteua quando ninguém ia! Levava cinco horas para chegar lá de barco. Tenho uma nostalgia muito grande do Pará. Às vezes me passa vagamente pela cabeça voltar a morar em Belém. Mas ainda tenho muitas coisas para fazer aqui no sudeste. Tem a questão pessoal também, pois o meu marido é paulista. A gente mora no Rio de Janeiro, mas São Paulo é ao lado. Sinto muita falta da comida! Tenho certeza absoluta que não existe comida como a paraense! Como jornalista, eu queria ter algo mais sistemático de cobertura na Amazônia. Em qualquer lugar da região eu me sinto em casa. Eu realmente estou no meu elemento quando piso na Amazônia. 

Mais matérias Nacional

publicidade