Gosto refinado

Apreciador da boa mesa, grande conhecedor e empresário do mundo gourmet.

22/04/2016 17:56 / Por: Bianca Borges / Divulgação
Gosto refinado

É em uma agradável rua no bairro do Jardim Botânico, na zona sul do Rio de Janeiro, que funcionam o festejado restaurante Lorenzo Bistrô e, logo ali a poucos passos, o empório gourmet e delicatessen Casa Carandaí, uma espécie de vitrine para produtos nacionais e importados servidos no primeiro. Ambos estabelecimentos têm o selo de qualidade de seu proprietário, o restaurateur João Luiz Garcia, conhecido como Janjão, e já considerado uma referência em alta gastronomia na cidade. Carioca de 62 anos e muito ligado a tradições, o economista e advogado de formação (e também por imposição paterna), herdou da família sua ligação estreita com os prazeres da boa mesa.

Na sua casa, eram frequentes os encontros regados a vinhos e pratos que celebravam a reunião de amigos e familiares do advogado Pedro Garcia de Souza e Ana Maria Machado Bittencourt, uma dona de casa francófila assumida. “Tínhamos especial carinho pelos assados de vitelo e cordeiro – na época em que ainda não se encontrava isso no Rio. Trazíamos do Rio Grande do Sul e conseguíamos alguns vindos da Bocaina”, enumera, ao recuperar as lembranças das festas em família. Nos bailes de carnaval promovidos na casa em Petrópolis, era possível contabilizar pelo menos 150 pessoas no salão – às seis horas da manhã, quando aqueles cerca de mil convidados da noite já haviam debandado.

Sua paixão por omeletes e ovos mexidos vem da tia Dulce, irmã de sua mãe, que ficou conhecida por fazer doces de ovos excepcionais. Os amigos e clientes estrangeiros de seu pai, advogado, ajudavam a trazer produtos vindos de fora do Rio até a residência dos Garcia. “Ele tinha amigos suecos e nórdicos da área de petróleo que facilitavam o acesso a salmão e ovas especiais. O mesmo vale para os alemães da indústria têxtil, que nos levavam aos melhores salsichões, salames e carnes curadas”, lista Janjão.

Ainda garoto, foi nomeado pelos colegas como o cozinheiro oficial do grupo nas escapadas para surfar em Saquarema. No local não havia praticamente nada na época e acabava sobrando pra ele, que sempre gostou de cozinhar, a missão de preparar a comida. Tempos depois, foi chamado para ser cozinheiro em regatas. Não só porque se entendia bem com as panelas, mas também – aliás, principalmente – porque sabia velejar e não sentia enjoos em alto-mar. “Devia ter ainda uns 15, 16 anos, quando comecei a trabalhar em regatas. Foi uma época de ouro e glamour das Yacht Racing. Eu levava muita coisa semipronta, como bacalhau desfiado, e fazia bastante massa e arroz, pois era necessário muito carboidrato. Uma de minhas primeiras experimentações foi usar o vinho para ajudar a conservar os alimentos por mais tempo”, recorda.

Ainda jovem, ele fez diversas viagens ao exterior, explorando especialmente as regiões da Itália e França, países donos das cozinhas que mais o atraem. Mais tarde, já como economista, atuando em setores como planejamento e estratégia em empresas da indústria alimentícia, ele teve a possibilidade de frequentar diversas feiras de alimentos e congressos de nutrição mundo afora. Nas horas livres entre as viagens, saía à caça de bons vinhos, temperos especiais e produtos exóticos. Conheceu inúmeros empórios no Leste Europeu, região da qual virou habitué. 

Mas aquilo não era o bastante. A alta gastronomia e os vinhos eram sua maior paixão, bem mais que a rotina de funcionário. E foi por essa paixão que ele deixou a carreira de economista para se dedicar exclusivamente a empreender no mercado gastronômico. Só que, para seguir esse caminho, Janjão teve de enfrentar a resistência da própria família, que não o apoiou na decisão. “Meu pai foi contra eu abandonar uma carreira bem-sucedida. E via nisso um enorme desperdício do investimento que fez na minha educação no Brasil e no exterior. Tudo para depois eu ‘ficar atrás de um balcão’”, recorda. O pai jamais chegou a pisar no Garcia & Rodrigues, o primeiro e mais ambicioso empreendimento do filho.

Janjão foi um dos fundadores desse saudoso empório, criado em 1997, que chegou a ter quatro filiais no Rio de Janeiro e unidades em São Paulo e Santa Catarina. O primeiro e maior deles, localizado no Leblon, reunia comidas e insumos que podiam tanto ser consumidas lá mesmo quanto levadas para casa. Era um misto de delicatessen, rotisseria, padaria, confeitaria, restaurante, adega e loja de utensílios de cozinha. O público carioca jamais tinha visto algo parecido antes. Com seus três ambientes dispostos na rua Ataulfo de Paiva, no Leblon, o Garcia & Rodrigues marcou época no Rio de Janeiro. Mais que um mero restaurante ou café, seu salão guarda histórias e bastidores e serviu de cenário para reuniões de negócios, debates culturais e encontros entre políticos e intelectuais. 

Após se retirar da sociedade que comandava o Garcia & Rodrigues, em 2000, Janjão atuou ainda na criação da marca Fiammetta, pizzaria de sucesso que ainda hoje segue funcionando, mas já sem a sua participação. No ano seguinte, ele prestou consultoria para a rede de supermercados Zona Sul, onde inseriu o conceito de “Store in store”, que inclui a oferta de serviços como café da manhã e pizzaria. Foi também prestando uma consultoria que, sete anos mais tarde, ele conheceu Nick Barcelos, a proprietária do restaurante do Lulu, onde hoje funciona o Lorenzo Bistrô. Os negócios não iam bem e ela já não sabia qual próximo passo dar. Entre uma e outra sugestão, os dois se apaixonaram e casaram logo em seguida. O conceito do restaurante foi reformulado pelo casal, que passou a chamá-lo de Lorenzo Bistrô.

Lá, são servidos pratos preparados de maneira sofisticada, a partir de uma origem das mais simples, com pegada meio francesa, meio italiana. O ambiente é aconchegante e familiar. “É um projeto feito para minha família e alguns clientes acabam se tornando parte da minha família também”, resume. Janjão é frequentador da mais notória confraria de vinhos da cidade e participa de encontros com grandes conhecedores do mundo de Baco, em que são esvaziadas garrafas de edições limitadas e alguns dos rótulos mais caros do mundo. Essas garrafas contam histórias. E também servem como item decorativo: no Lorenzo, estão espalhadas por toda parte, compondo um clima informal e muito particular no ambiente.

A Casa Carandaí, localizada a poucos metros do restaurante, foi uma expansão natural do bistrô. “Já vendíamos vinhos para clientes do Lorenzo e o mercado queria comprar nossas massas frescas que produzíamos até então apenas para consumo no restaurante. Foi um caminho natural”, aponta Janjão, que inaugurou a delicatessen em 2012, em um belo casarão tombado. Ali, estão disponíveis iguarias de cinco países europeus e de quatro estados brasileiros. A lista inclui mais de dois mil itens, que vão de biscoitos, compotas, embutidos, carnes, azeites e vinhos exclusivos. Do Rio Grande do Sul, vêm as compotas e geleias, pães orgânicos, cortes nobres bovinos e de cordeiro. De São Paulo, vem a bananada. Já o queijo serra da canastra é mineiro. Entre os produtos importados, destaque para os queijos holandeses, as massas e a linha completa de embutidos vindos direto da Itália e os vinhos franceses. O espaço abrange ainda rotisseria e padaria, de onde seus cinco fornos produzem ciabattas, focaccias e baguetes, entre outros.

Há um ano, Janjão lançou a marca própria de produtos da Casa Carandaí, com foco no que produz de melhor – os pães. Além dos produtos feitos na casa, a grife inclui também insumos selecionados que passaram pelo crivo e intervenções do restaurateur. A marca já passa de 25 itens, de goiabada cascão cremosa, um dos hits de venda, aos grissinis de alecrim com parmesão, que fazem sucesso no couvert do bistrô. Janjão viajou por diversas partes do Brasil para selecionar criteriosamente os itens do empório entre a produção local. Como a casa tem uma ligação muito forte com queijos, há um produto que ele ainda deseja ter em sua seleção. “Conheci alguns queijos da ilha do Marajó, no Pará, e tenho muito interesse em trazer para o Rio”, pontua ele, que já esteve diversas vezes no estado e guarda entre as lembranças da infância a chuva da tarde e a ardência do jambu, da época em que sua família ficava hospedada no Hotel Grão Pará.

A pedido da Revista Leal Moreira, o restaurater separou algumas receitas que fazem sucesso em suas casas. “A polenta é um clássico, fazia parte do cardápio do Lulu (antes de ser tornar Lorenzo Bistrô) e sofreu pequenas modificações. A Mud Cake é um dos grandes hits da Casa Carandaí. Deliciosa, não pode faltar e é uma das mais vendidas”, destaca. Já a receita do penne, de sua autoria, é uma daquelas que surgem ao acaso. Num belo dia, ele quis fazer um arroz de pato, com sobras de um pato assado. Mas sendo este dia um domingo, todos os estabelecimentos estavam fechados. “Já tinha o arroz, o pato desfiado e o caldo, mas faltava o salame, o choriço... Por sorte tinha em casa um salame do Cinque, trazido por um velho amigo italiano que prepara nos arredores de São Paulo os melhores salames curados do Brasil. Imaginei o gosto intenso deste salame contrapondo-se ao molho de tomate, mais adocicado... E foi desta experiência doméstica que surgiu a receita”, descreve.

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