Maeve Jinkings

Fora de Belém desde o ano 2000, a atriz paraense tem interpretado papéis fortes que têm muito a dizer ao mundo.

17/01/2018 13:03 / Por: luly Mendonça Fotos: Aquivo Pessoal
Maeve Jinkings

 

Em tempos onde o debate feminista toma as redes sociais, Maeve Jinkings mostra que é possível empoderar através da sétima arte escolhendo personagens que têm muito a dizer para o mundo.

 

    

 

 

 

 

 

Ativista, feminista, inquieta, debatedora. Maeve Jinkings é uma potência e um dos grandes nomes da nova geração do cinema nacional, do teatro e da TV. Para entender um pouco da receita: pegue um pouco do cerrado (ela nasceu em Brasília), misture ao calor de Belém, onde foi criada, acrescente uma pitada de Recife, onde viveu por 1 ano e meio, e bata junto com 15 anos de São Paulo, onde se formou como atriz, na Escola de Artes Dramáticas da USP. “Estar em contato com as mais diversas identidades culturais só pode ter me ajudado a expandir a ideia do que significa estar vivo, onde quer que seja”, diz.
Em Belém, morou no bairro Batista Campos, e frequentava a praça quase que diariamente, além da livraria do avô Jinkings. Foi lá onde aprendeu a andar de bicicleta, catou manga nas ruas e tomou banho de chuva, algumas das suas lembranças gostosas da infância. “Pra ser honesta sinto saudade de tudo... do sotaque, do vento úmido na margem do rio Guamá, do Círio Fluvial, de dançar brega, passear na Praça da República durante a feira de artesanato aos domingos, a dormência do jambu com tucupi, sorvete de tapioca, as praias. Belém mudou muito desde minha saída em 2000, sinto falta de reconhecer a cidade e me conectar com a cena cultural contemporânea, que é incrível!” 
 

 

 

 

 

 

 

Ao longo de sua carreira, Maeve atuou em longas premiados como O som ao redor (2010), Aquarius (2015), ambos de Kleber Mendonça Filho e Amor, plástico e barulho, de Renata Pinheiro (2012). O primeiro, foi um divisor de águas em sua carreira e a projetou para o mundo. Em Amor, Plástico e Barulho, ela deu vida à cantora de brega Jaqueline, sua primeira protagonista com uma curva dramática rica e com mais tempo de tela. Segundo ela, uma chance de se autodesafiar, com uma personagem ultra-sensual, e de mostrar um amadurecimento como atriz. “Foi o primeiro prêmio que recebi na vida”, diz referindo-se às premiações de Melhor Atriz, Festival de Brasília, no BRAFFT 2014, Festival Brasileiro de Cinema em Toronto. 


Em 2015, ela fez sua estreia na teledramaturgia, em A regra do Jogo, na Globo, como Domingas, uma personagem que sofria violência doméstica. Segundo ela, um salto em vários aspectos: “técnico, pois a personagem era muito difícil, num tema delicado e fácil de estereotipar. Também porque o set da TV é muito disperso, não contribui com o trabalho do ator, e isso exige ainda mais técnica e concentração. Também um salto emocional pra lidar com a dispersão desse meio, assim como a popularidade que vem junto com o trabalho na TV. Passei a ser reconhecida em qualquer lugar, o que pode ser bem confuso às vezes. Mas também recebo muito carinho.”


Não “satisfeita”, ela também atuou como preparadora de elenco no curta Sem Coração, sob codireção de Tião e Nara Oliveira, que recebeu o Troféu Illy de Melhor Curta em Cannes, e no longa Big Jato, do diretor Cláudio Assis, baseado no livro de Xico Sá.

Agora, ela se prepara para gravar a nova novela das 23h, Onde Nascem os Fortes, com previsão de estreia em abril. Acaba de gravar o longa Açúcar, de Renata Pinheiro e Sergio Oliveira, e anda percorrendo circuitos de Festivais com o filme. Além disso, se prepara para filmar com Adiley Queiroz, em 2018.

 

 

 

 

 

 

 

 

E assim Maeve vai construindo sua teia de personagens fortes, que enfrentam dramas femininos da vida real, que geram debates importantes feministas. Não é coincidência, como ela mesma diz: “o ator é um ser político”. Maeve sabe que mensagem quer passar para o mundo com suas personagens e através da sua arte vai deixando o seu recado, tomando poder sobre si mesma e espalhando-o aos quatro ventos. “O que me inspira é a vida”. E que vida, Maeve.

 

De onde veio a vontade de ser atriz? Li que tudo começou com uma experiência na escola.

Sim, aos dez anos de idade numa aula de matemática! Sou péssima em matemática, mas veja só, ali descobri o prazer de contar histórias. O professor Vicente pediu que encenássemos contos do livro de Malba Tahan, o homem que calculava. Fui a narradora porque ninguém mais queria decorar tanto texto (risos). Adorei a experiência e passei a alimentar a paixão pelo palco. Mas minha família sempre incentivou a relação com as artes. Minha mãe era fotógrafa, meu pai um apaixonado por música, e ambos me levavam muito ao cinema desde pequena. Além disso, a proximidade da família com a literatura estimulou minha capacidade de ser atravessada por outras subjetividades, o que é fundamental pra um artista.


Como foi tua estreia no cinema? Isso mudou tua relação com o teatro?

Sair do teatro pro cinema foi assustador, porque no teatro eu me sentia mais apoiada pela criação de um coletivo de atores, sentia que tinha mais controle sobre a narrativa e sobre cada apresentação. Na minha experiência, o processo criativo do ator no cinema me parece ligeiramente mais solitário, além do que temos menos controle sobre o produto final. Estou há exatos nove anos fora dos palcos, louca pra voltar. Tive algumas chances de retorno nos últimos anos mas o audiovisual acabou sempre me capturando, e o teatro exige mais aterramento. Mas sinto que não mudou nada, apenas amadureci. O teatro segue como um grande amor que está ali, compreensivo, me esperando voltar.

 

O Som ao Redor foi um divisor de águas na tua carreira? Fala um pouco sobre como foi atuar no filme...

Sem duvida O Som ao Redor é um marco, me projetou como atriz. Além disso, foi ali que percebi que poderia também atuar no cinema de forma propositiva e autoral. Tive sorte de encontrar Kleber pois, além de um grande diretor, é também um agregador, um pensador do cinema. No dia que filmamos a cena da dona de casa fumando no quarto, intuí que seria uma cena antológica do cinema nacional.

 

 

 

 

 

 

Tu vens interpretando personagens de mulheres lutadoras, empoderadas ou que suscitam debates feministas. Como é pra ti, dar vida e voz a essas mulheres?

Essas personagens são também meu ponto de vista, reflexos de minhas escolhas como atriz. Tento ser bastante criteriosa quanto a isso, e algumas vezes preciso recusar muita coisa que me parece em desacordo com o que quero comunicar como artista. Vejo as escolhas do ator como a criação de um repertório de imagens que contribui com o imaginário coletivo do nosso tempo, e também das gerações futuras. Sugerindo perguntas, provocando debates. O ator é um ser político, tenha ele consciência ou não. Então ao dar vida a essas subjetividades, busco atravessá-las por questões pertinentes ao que significa ser mulher hoje.

 

 

Então, como se dá a tua escolha de personagens? O que existe de Maeve em cada uma? 

Personagens são sempre convergências entre uma subjetividade fictícia atravessada pela minha própria experiência de estar viva. No caso do audiovisual, acho que filmes são testemunhos de um certo grau de descoberta acontecendo ali, diante da lente. Mas essas margens entre o que é meu e o que é do personagem são um mistério necessário. Não acho que devem ser iluminados publicamente, essa é a beleza desse ofício.

 

     

Também li em uma entrevista que interpretar a cantora de brega no cinema mudou um pouco o teu ponto de vista sobre a sensualidade e vaidade feminina...

Meus personagens me dão a chance de enxergar a vida sob sua perspectiva, e isso fatalmente me defronta com meus preconceitos. Essa personagem vive numa indústria baseada na exploração de sua sexualidade, o que a princípio me incomodou profundamente, sendo eu uma feminista. Acontece que essas mulheres também têm consciência dessa hipererotização que lhes é imposta, e aprendem a tirar proveito disso em benefício pr[oprio. Quando elas o fazem conscientes, ganham poder. É uma escolha, uma forma de sobrevivência. Tambem notei que minha formação burguesa colocava o intelecto como uma ferramenta superior ao erotismo, o que hoje discordo profundamente. Isso é preconceito de classe. Jaqueline Carvalho me ensinou a aceitar minha própria sensualidade sem julgamentos, sem que isso me reduza a nada. Podemos ser o que quisermos.

 

E como tu encaras as cenas de nudez?

Nenhum problema. Tudo que é da ordem do humano me parece fascinante representar. O que me incomoda é apenas quando percebo uma narrativa mais interessada no corpo do que na subjetividade do personagem. Se existe esse desequilíbrio, podemos acender o alerta. Por enquanto sabemos que a tendência do audiovisual é expor mais o corpo feminino em detrimento de nos escutar. Mas percebo cada vez mais (lentas) mudanças nesse sentido.

 

Dizem que as atrizes têm “prazo de validade” e que conforme vão ficando mais velhas, fica mais difícil arrumar papéis. Como tu te vês dentro desse contexto? Existe machismo no meio artístico?

Prazo de validade quem tem é comida. Infelizmente a indústria de entretenimento é obcecada por juventude e corpos femininos objetificados. Inclusive a forma como idosos são retratados é algo que me incomoda muito. Em poucos anos seremos uma população com maioria de idosos, e aí? Vamos finalmente complexificar as narrativas desses sujeitos? Entender, pra ficar apenas em um exemplo, que idosos têm erotismo? A função do ator é estar vivo em cena, é representar a vida na sua integridade. De forma que um ator pode trabalhar enquanto estiver vivo.

Mais matérias Nacional

publicidade