"Meu caminho é o da experimentação"

Roberta Carvalho dispensa fórmulas prontas para definir seu trabalho e se firma como um dos nomes mais promissores das artes paraenses

21/01/2011 18:57 / Por: Luiza Cabral / Fotos: Luiza Cavalcante

 

"Não estabeleço regras. Procuro o caminho inverso, que se constrói na experimentação."

Quem passou pelo píer da Casa das 11 Janelas para dar uma olhadinha na programação cultural alusiva ao aniversário de Belém, dia 12 de janeiro, não teve como não olhar um pouco acima da linha do horizonte. Na copa de uma árvore pomposa, a projeção de um vídeo lançava os olhos sobre os presentes. A intervenção inquieta (que piscava vez ou outra), deixou muita gente encantada pelo inusitado. O que muitos não sabem é que a ideia e os olhos são da artista visual e designer Roberta Carvalho, um dos nomes mais promissores da arte contemporânea paraense.

No dia marcado para a entrevista que resultou nesta reportagem, uma coisa chamou atenção, literalmente, de cara: Roberta carrega no rosto e nas expressões as características de uma pessoa que sabe o que faz. Um saber que não significa conceitos pré-estabelecidos para suas propostas artísticas. Muito pelo contrário. "Não sou do tipo que estabelece regras. Procuro o caminho inverso que se constrói na experimentação. Como o que faço parte das minhas frustrações e reflexões, não há como ser algo mecânico", conta.

Ensaiar, tentar, por à prova, analisar, sentir. As palavras relacionadas à experimentação cabem muito bem no trabalho da artista. Na obra apresentada ao público no aniversário de Belém, por exemplo, a sentença cabe como uma luva. O trabalho que integra o projeto "Symbiosis", cujo mote é a interação homem x natureza, nasceu assim. "Trabalho neste projeto há algum tempo. No início de 2009 fui convidada a fazer uma intervenção na Fotoativa (Associação que agrega e incentiva projetos fotográficos). Nem imaginava o que fazer, mas já sabia que seria projeção. Olhei o espaço no entorno da sede e me deparei com uma árvore. Experimentei e deu certo."

No dia em que o "Symbiosis" nasceu, a imagem escolhida para ser refletida na folhagem foi a de um homem em posição fetal, despido, numa referência à copa da planta como uma espécie de útero materno. Nas projeções futuras, outras imagens de pessoas se associaram ao verde escuro das árvores.

O interesse pela experimentação com vídeos surgiu quando a artista ainda cursava a faculdade de Letras. Lá, descobriu as possibilidades da poesia visual, que usa recursos imagéticos como suportes para as palavras. A poética das imagens a encantou de forma irreversível. Trabalhou com fotografia e audiovisual até chegar às possibilidades da projeção. Seu primeiro trabalho com esta roupagem foi apresentado há cinco anos, quando concebeu o "Pretérito do Presente", projeções em prédios antigos e desocupados da cidade, "numa tentativa de instigar uma reflexão sobre o abandono do patrimônio histórico". "Estes caminhos da projeção já estavam me levando para o Symbiosis", avalia Roberta. E a aceitação do projeto tanto pelo público como pela crítica confirmaram isso.

A ideia de usar as árvores para projetar agradou a comissão do edital "Microprojetos Mais Cultura na Amazônia Legal", da Fundação Nacional de Arte (Funarte/Minc).  Aprovado no final de 2010, agora o "Symbiosis" irá partir para outros universos. "Já fiz projeções em lugares públicos de Belém, como quando participei do 'Festival Vivo Art.Mov', que contemplava projetos de mídias locativas. O projeto que inscrevi para a Funarte me dará a oportunidade de levar o 'Symbiosis' para as comunidades da Ilha do Combu. Lá, quero possibilitar uma interação entre as pessoas e a projeção. Todo mundo junto vai pensar e escolher as imagens que serão projetadas, fotos das próprias pessoas de lá", revela Roberta.

Se trabalhar com projeção, que ganhou popularidade nos anos 1980, não é novidade, o diferencial do trabalho de Roberta talvez esteja na relação feita entre a imagem e o espaço que abrigará a projeção. Desde que utilizou prédios tradicionais até a "descoberta das árvores", uma das coisas que a artista priorizou foi a "significação artística" dos elementos usados em suas propostas. "Não gosto das coisas aleatórias. Quando penso em projeção, penso também quais efeitos o lugar, o espaço que receberá a imagem pode causar. É como se a imagem virtual junto com o lugar da projeção criasse uma escultura. Tudo ganha um significado no trabalho. Se vejo uma árvore ou se penso em uma imagem procuro associá-las de modo que tudo faça sentido. É isso que dá vida ao meu trabalho."

O interesse pela arte eletrônica coloca Roberta no grupo que faz uso de tendências bem contemporâneas no ato de criar. Um projeto futuro em mente, em que a música sirva de suporte para a projeção, mostra como a cabeça da artista visualiza a interação com o futuro das artes. "Já fiz projeções em shows musicais. Agora quero subverter a ordem e fazer com a música faça o pano de fundo para a imagem", explica.

O projeto "Symbiosis", por outro lado, logo deve resultar em um livro com imagens fotográficas. "Symbiosis é uma linguagem artística. A documentação fotográfica dele faz uma outra construção de linguagem. Gosto muito destas sobreposições nas artes. Elas dão essa sensação de que as artes são uma fonte infinita."

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