O Theatro está vivo

Firmado como o mais sublime palco para a arte em Belém, o Theatro da Paz continua fazendo história e tocando corações de apaixonados pelo seu significado. Entre os que dedicam a ele seu tempo e talento estão Maria Sylvia Nunes - a lenda viva da arte no Pa

27/02/2014 13:21 / Por: Bruna Valle/ Fotos: Dudu Maroja
O Theatro está vivo
Um dos grandes templos vivos da arte em Belém, o Theatro da Paz completou 136 anos recentemente. Seus frequentadores e fomentadores só têm a comemorar: passados vários momentos históricos, desde sua fundação em 15 de fevereiro de 1878 - período áureo do Ciclo da Borracha no Pará – até hoje em dia, pode-se dizer que o teatro se renova em popularidade a cada ano. Mas não foi sempre assim.
 
A teatróloga Maria Sylvia Nunes - uma das fundadoras da escola de teatro da Universidade Federal do Pará e a atual superintendente do sistema de teatros de Belém – conta que, em sua infância e juventude, o Theatro da Paz vivia um hiato que durou praticamente um século. Mesmo assim, ela o amou à primeira vista. “Houve uma época áurea antes de mim, quando a vida teatral era importante aqui, principalmente a ópera. Havia críticos que orientavam o público. Isso foi antes da queda da borracha, no auge do Theatro da Paz. Depois disso, houve um hiato de cem anos sem ópera, e esse silêncio se estendeu ao teatro em geral”, relembra. Maria Sylvia conta que o espaço sofreu uma espécie de decadência. “Não havia quase manifestações de teatro, a não ser os populares, os amadores e o do Círio. Ele ficou meio esquecido. As pessoas já não sabiam como se portar, perderam a convivência com ele. Mas para mim, sempre foi um palácio, era um lugar mágico. Geralmente, na infância temos essa imagens de alguns lugares. Muitos lugares deixaram de ser assim quando cresci, mas o Theatro da Paz continuou encantado”.
 
Ela revela que o que chamou sua atenção no Theatro da Paz foi a beleza que ele apresentava, além dos majestosos espetáculos que ele abriga ainda hoje. “É um lugar diferente. Não tem nada em Belém que seja tão lindo e misterioso quanto o Theatro da Paz. Ele sempre foi e continua sendo um lugar de espetáculos grandiosos. Ele pede espetáculos à altura do que ele é, da sua beleza. Às vezes pode não ser grandioso de superprodução, mas é superlativo culturalmente. Por exemplo, quando Sebastião Tapajós vem aqui tocar violão. É ele, o instrumento e um banquinho, mas é imponente na qualidade musical”.
 
O teatro, além de um lugar de grandes eventos, é essencialmente uma das formas mais antigas de expressão do ser humano, graças às suas origens na Grécia da antiguidade. Para Maria, a sociedade deve percebê-lo como tal. “As pessoas deveriam ver o teatro como Shakespeare quis defini-lo - um espelho da sociedade. Ele mostra a sociedade a si mesma, e isso é importantíssimo. É a uma maneira de você se enxergar, e de colocar diante de si os problemas da sua própria sociedade - até porque ela sempre apresenta problemas éticos”, analisa. “Não tem outra definição para o teatro. Mesmo quando a peça é ruim, ela demonstra um segmento que existe - seja a futilidade ou uma maneira pouco real de encarar a vida. Não estou falando de interpretação e sim do que está sendo mostrado. É uma mostra do que existe na sociedade”.
 
Para Nunes, o teatro é uma porta para o universo humano. As pessoas, portanto, devem perceber essa capacidade e procurar viver aa experiência: aceitá-lo como representação, usá-lo e compartilhá-lo, seja como público crítico ou como fazedor desta arte. “Quem não vai ao teatro está perdendo coisas maravilhosas e nem sabe... Uma das melhores coisas da vida. Estamos em uma época tremendamente materialista. O teatro é uma oportunidade para deslocar você do próprio ego. Naquele momento, você pode ser o outro, extrapolar o ego, o seu mundo particular, e viver uma viagem em todos os sentidos. Ele deixa você experimentar coisas que você não poderia de outro jeito; coloca sua imaginação para funcionar, ensina a ter empatia com outras coisas. É uma maravilha”.
 
Isso tudo sem falar na ópera, um espetáculo à parte. Segundo a teatróloga, “era um sonho do maestro alemão – que também era compositor, diretor de teatro e ensaísta conhecido por suas óperas – Wilhelm Richard Wagner juntar todas as artes em uma só: visuais, musicais e da palavra”. A arte sempre foi muito apreciada, desde sua origem (também na Grécia antiga) até a atualidade. O Theatro da Paz é um dos grandes vetores desta arte em Belém, que a viu renascer com a ajuda de seu colaborador mais fiel e devotado: Gilberto Chaves, o coordenador artístico do Festival de Ópera e da Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz.
 
Apreciador de música e verdadeiro entusiasta da ópera no Pará, Gilberto Chaves conta que os cem anos de silêncio no Theatro foram quebrados em 2002, quando Gilberto – por indicação do secretário de cultura da época, o Paulo Chaves – dirigiu não só o Theatro da Paz, como também a ascensão deste segmento nacionalmente. Com o trabalho, também veio o reconhecimento. “A ópera no Pará foi reinventada, e eu fui a pessoa confiada a ficar à frente nesta época. Demos ao festival o prestígio nacional que ele tem hoje. Estou apenas na coordenação do festival, e na artística da orquestra sinfônica. E eu faço isso por espontânea vontade, por amor. Eu não tenho remuneração para isso. De manhã, trabalho na minha área, que é a advocacia; à tarde e à noite, me dedico ao festival. É preciso um ano de dedicação para acontecer. Faço isso por amor à arte”.
 
Ele conta que, no começo, a música era sua grande aliada. Seu interesse começou muito cedo. Teve dedicação espontânea para saber mais sobre o universo que tanto o encantava, e agora segue devolvendo o conhecimento que adquiriu ao longo da vida. Hoje, esse conhecimento é transformado em belos festivais coordenados por ele – mas com uma equipe que faz jus à sua alcunha. “A música na minha vida veio por meio do meu avô, e por uma vizinha que era a viúva do famoso maestro Meneleu Campos – que será, inclusive, tema de um concerto ainda este ano aqui. Foi ela quem me deu as primeiras orientações. A paixão veio em seguida, me tornei um autodidata. Fui crescendo e continuei procurando conhecer mais, nos teatros do Brasil e do mundo. Hoje eu doo esse meu “know how” e minha paixão para o Theatro, porque se não tivesse essa paixão seria muito difícil. É preciso ter verdadeira entrega e uma equipe inteira muito devotada – coisa que meus companheiros de teatro fazem com muito entusiasmo - para que se torne um sucesso”.
 
É bom lembrar que, diferente do que muita gente pensa, a ópera em Belém tem muitos fãs. Eles estão sempre procurando saber quando começa a próxima temporada, deixando o Theatro da Paz repleto de visitantes todos os anos e com visibilidade incrível. “O Theatro é lotado o tempo todo, o público acompanha. E é um espetáculo muito aberto e democrático. Ainda temos a tradição de fazer um espetáculo ao ar livre para o público, sem custo. Todos aguardam com bastante expectativa, e é sempre um sucesso. Isso faz com que o nosso ‘velho Da Paz’ de 1878 se insira no contexto cultural brasileiro. Em 2002, entramos neste circuito e hoje somos vistos como ‘os festivais do Norte’. Temos espaço na mídia nacional como um estado capaz de produzir cultura de alto nível, até mesmo pelos próprios paraenses – afinal, todo povo se orgulha da sua cultura”, diz Gilberto. E defende: “a cultura eleva a alto estima, então nós não podemos nos amofinar, como diz o bloco. Temos que responder para a América Latina e pro Brasil que temos um teatro dos mais bonitos do mundo e que ele não é um fantasma. Ele está vivíssimo, assim como a nossa cultura”.
 
Dentre as novidades que estão sempre direcionando o Festival de Ópera nesses últimos quatro anos, a última, segundo Gilberto, foi a transmissão ao vivo do festival para outros municípios do estado, fazendo com que mais pessoas pudessem viver o que a ópera oferece. “Conseguimos que a TV Cultura fizesse a cobertura do festival ao vivo para 143 municípios pela televisão - que não é a mesma coisa de estar aqui ao vivo, claro, mas já é algo que se pratica na Europa, em países asiáticos, nos EUA e na Inglaterra. Isso multiplica o conhecimento. Um segundo diferencial da nossa ópera é que ela é a única na América latina que edita o que é apresentado para que as pessoas possam adquirir e levar para casa. Isso é não só materializar história: é memorizá-la e transformá-la em fonte de consulta futura”.
 
Quem nunca foi ao teatro ou viu uma ópera pode estar perdendo uma vivência muito rica da história da humanidade. Chaves explica o porquê: “a ópera vai levar para o cidadão comum uma nova experiência e conhecimento; um legado antigo, de cinco séculos. Uma arte que triunfa no mundo, bem viva. Nós estamos retomando uma das vertentes da cultura ocidental, e todos precisam conhecer isso”. E engana-se quem pensa que é uma manifestação artística complicada e de “outro mundo”. Gilberto acredita, e procura aplicar isso aos festivais daqui, que “a ópera deve ser direta e objetiva. Não deve ter essa mania - que parte do mundo tem - de falso intelectualismo, de querer complicar uma história que foi feita para ser simples, ou transformar uma música que foi feita para ser entendida em algo difícil. A opera não é difícil, nasceu para ser fácil. E o caminho de quem monta, de quem coordena, deve ser o de procurar o entendimento da plateia, para que o frisson possa existir entre o público e a obra”.

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