Quando se reencontrar é preciso

A premiada chef de cozinha vive um novo momento, longe da alta gastronomia e mais perto de nós.

07/02/2018 08:06 / Por: Camila Gaia Fotos: Divulgação/ Arquivo Pessoal
Quando se reencontrar é preciso

Dos ousados menus degustação aos lanches de rua que marcaram o início da sua história na cozinha. A gaúcha Roberta Sudbrack nunca para de surpreender. Foi assim quando assumiu a cozinha do Palácio da Alvorada, em 1997; quando abriu seu restaurante reconhecido com uma estrela Michelin, em 2005; e mais recentemente, em 2017, quando jogou tudo para o alto para voltar a vender cachorro quente em um food truck.


Usando como analogia o ciclo de desenvolvimento de uma lagosta, que troca de casca à medida em que vai crescendo e se sentindo incomodada, Sudbrack começou 2017 anunciando o fechamento do renomado restaurante que levava o seu nome, o qual comandou por 12 anos. “Eu tava muito incomodada. Tava incomodada comigo, tava incomodada com a falta de desafio e eu resolvi que eu tinha que começar de novo”.


A ideia central era se reconectar com a culinária. Aquele cenário já não fazia mais sentido. “Foram 12 anos de Roberta Sudbrack (RS) em que eu realizei tudo o que eu queria. De dois anos para cá eu comecei a me sentir incomodada, as coisas estavam ficando fáceis demais. Não é que a gente não estivesse fazendo o que a gente acreditava, não é que a gente não estivesse fazendo com o mesmo rigor ou o mesmo amor, mas tava fácil”.


A decisão surpreendeu a todos, inclusive os próprios funcionários. Afinal, o fechamento nada teve a ver com uma crise financeira ou criativa, mas sim com o encerramento de um ciclo pessoal. “O RS foi um restaurante que marcou, foi um ícone, e isso me orgulha profundamente. Foi um restaurante que teve coragem de servir quiabo em pé, patinha de camarão, pão queimado, mandiopã. A gente tentou fazer ele se conectar profundamente com o Brasil. E isso foi lindo”.

 


Aprender e reaprender 


Com o RS, Sudbrack colecionou prêmios internacionais, integrou a lista dos 50 melhores restaurantes da América Latina, conquistou a sua estrela Michelin, viajou o mundo inteiro. “Depois de alguns anos, eu descobri que eu tinha que reaprender. Eu tinha que apagar por um momento e reaprender, sem cuspir no prato que eu comi. Eu deixei muito claro que a ideia era me reconectar comigo mesma. Eu brinquei dizendo que eu queria deixar de ser chef de cozinha e ser cozinheira de fogo e de fogão”. 


Foi assim que voltou a vender cachorro quente, como fazia no início de tudo, em Brasília. Naquela época, Roberta não sabia nada de cozinha e tinha o sonho de estudar veterinária. Foi vendendo os “dogões” preparados pela sua avó que levantou o dinheiro necessário para uma temporada nos Estados Unidos.

Morando no exterior, entendeu que a sua verdadeira vocação era a cozinha. Voltou ao Brasil e passou pelo menos dois anos testando receitas e aprendendo no fazer. A atitude talvez tenha sido decisiva na originalidade de sua cozinha. “A minha formação é autodidata e eu aprendi com o erro. O erro é importante na minha cozinha. Eu nunca deixei escapar uma coisa que deu errada. Deu errado? Vamos pensar. A coisa mais importante na gastronomia é pensar. Sempre foi e sempre será”.

Na tentativa e erro, Sudbrack começou a fazer pequenos jantares na capital federal, o que a levou em 1997 à cozinha do Palácio da Alvorada a convite do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Foram anos de muito aprendizado e originalidade. E aprender é a constante na vida da chef.

 

Com amor e com afeto


Do Alvorada para o seu próprio palácio, Roberta Sudbrack sabe que o segredo da melhor comida era o amor contido no modo de fazer: “Eu sempre falei que a cozinha brasileira é afeto. Se você não traz esse afeto para dentro do prato, por mais moderno que seja, pra mim não é cozinha brasileira. Ela tem memória, ela tem rapa do tacho, ela tem esse modo de fazer, ela tem queijo clandestino, ela tem essas pessoas, elas vêm dentro da panela e a gente coloca elas dentro do prato”.

E foi justamente essa conexão que Roberta diz ter perdido ao longo dos anos em que comandou o seu restaurante. “Quando eu voltei a vender comida de rua e eu passei a entregar o cachorro quente na mão das pessoas. Eu voltei a olhar para os outros, para o meu público eu falei: gente, é isso aí”. 

Para Roberta, o momento é de exercer a liberdade. O “desconforto” trouxe um crescimento para ela e aos que a rodeiam. “A gente está vivendo uma coisa que eu acredito que todo mundo procura, seja lá qual for o modelo em que se encaixa, que é a liberdade. Antigamente a gente podia dizer que um prato era isso com aquilo, mas não podia faltar um matinho. Se faltasse, já não podia mais fazer. Hoje em dia a gente sabe que a gente pode, porque a gente aprendeu que somos livres e que podemos fazer o que a gente quiser.”

 


Clandestina com orgulho 


Neste novo período de liberdade também houve uma reconexão com a sua cadeia de fornecedores, em especial pequenos agricultores, com os quais sempre trabalhou e pelos quais luta dia após dia. “Essas pessoas sempre fizeram parte da minha cozinha, sempre estiveram nos meus pratos e eu tinha me afastado de todos”. 

Foi ao lado deles que Sudbrack viveu o que talvez tenha sido o dia mais triste de sua carreira. Convidada para integrar a Gourmet Square do Rock in Rio, a chefe viu a sua participação em um dos maiores festivais de música do mundo se transformar em um pesadelo.

Para o evento, Roberta encomendou toneladas de queijos e linguiças artesanais, que foram apreendidos horas antes do início do trabalho. Pela falta de um selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), toneladas de alimentos foram descartadas no lixo. “A gente passou para a organização o DNA inteiro dessas pessoas, dessas comidas, todos os selos que eles tinham, antes de ligar para eles e pedir que eles parassem a produção inteira deles para nos atenderem. (...) foi a coisa mais difícil da minha vida, porque ver comida boa sendo jogada fora para um cozinheiro e para um ser humano é muito complicado.”

O lamentável episódio serviu para que Roberta unisse forças em defesa dos pequenos produtores. Hoje, se autointitulando “clandestina”, encabeça um movimento que luta por uma legislação que incentive a produção agroartesanal e sua livre circulação em todo o território nacional. A ideia é valorizar o trabalho de milhares de pequenos produtores espalhados por todos os cantos do país.

“As pessoas falam: Roberta, para! Eu não posso parar agora. Eu cheguei até aqui, a gente chegou até aqui com coragem. Há anos colocamos comida na mala e levamos pra lá e pra cá. Somos clandestinos. Há anos lutamos pelos produtores brasileiros. O que aconteceu foi uma bomba que caiu na nossa cabeça. Mas tem um sentido. A gente decidiu que não vai desistir”. 


Receita:


Hot Dog à Francesa (1 porção)

 

Ingredientes:


• 1 baguete de tamanho médio 

• 1 salsicha (tipo húngara) levemente picante

• 60g de queijo gruyère

• Azeite extravirgem

• Mostarda de Dijon em grão

 

Preparo:


1. Corte uma fina fatia de um lado da baguete, como se fosse uma tampa, e retire um pouco do miolo. A baguete ficará com o formato de uma barquete. Faça uns riscos com uma faca na salsicha e a aqueça em forno alto por cerca de cinco minutos.

 

2. Aqueça também o pão com um fio de azeite em seu interior. Disponha a salsicha dentro do pão e cubra com o queijo gruyère ralado.

 

3. Leve para gratinar e sirva imediatamente acompanhado de mostarda e uma salada de folhas variadas temperada com vinagrete e lascas de queijo parmiggiano.

Mais matérias Nacional

publicidade