Sobre confiar no desconhecido

Nosso colunista fala sobre o preço da desconfiança que impede o país de crescer.

16/12/2015 16:19 / Por: Celso Eluan
Sobre confiar no desconhecido
Se lhe perguntarem: você confia num desconhecido? Provavelmente sua resposta será não e estará de acordo com os outros 93% de compatriotas. Dado nossa herança cultural mais provável é querer saber quem são esses 7% de loucos que confiam. 
 
Essa mesma pergunta foi feita em mais 19 países em comemoração aos 20 anos de uma agência de pesquisa chilena. Tivemos o honroso último lugar nessa lista. A média na América Latina ficou em 14%, liderados pelos hermanos argentinos em que, vejam só, responderam afirmativamente 22% dos entrevistados.

O curioso é observar que nos países europeus a média ultrapassou 80% do público que diz confiar no outro. É inevitável associar esses resultados ao grau de desenvolvimento dos países pesquisados e, certamente, este deveria ser o objetivo da pesquisa. O que devemos nos perguntar é: qual a relação de confiança com o desenvolvimento das economias?
 
Muitos estudos associam a riqueza e o desenvolvimento das nações a fatores que pouco consideramos. Muito mais que recursos naturais, que muitos ainda acham ser o maior indicador de riqueza, o que se observa nas nações mais ricas e desenvolvidas são aspectos menos palpáveis: instituições sólidas, respeito a contratos, elevado grau de produtividade, legislação simples e eficaz, previsibilidade, alta competitividade interna e externa e, acima de tudo, alto padrão educacional.
 
E onde entra a confiança nisso tudo? Eu acredito que seja o elemento principal, a cola que une todos esses fatores, a confiança de que tudo pode e vai funcionar conforme o previsto e isso está intimamente ligado à confiança no outro, pois se alguém quiser ser esperto e furar uma fila, por exemplo, haverá a reprimenda social em primeiro lugar e não sendo suficiente o instituto da lei que funciona e organiza a vida em grupo.
 
Assim como uma empresa a economia de um país funciona tanto melhor quanto mais organizada, previsível e competitiva ela for. Não adianta a riqueza do solo, subsolo ou qualquer outro recurso natural, se não houver competência na exploração e aproveitamento desses recursos vira apenas uma commoditie cujos preços oscilam em função da escassez destes recursos e nada mais. É o conhecimento, a tecnologia, fruto da educação, da inovação e da competitividade que podem transformar essa riqueza num bem mais valioso. A Suíça não tem nem terra pra plantar café ou cacau, mas de lá saem os melhores chocolates e lá popularizaram a máquina e as cápsulas de café expresso. Nós continuamos exportando café e cacau in natura. E pior, tem gente que ainda comemora isso.
 
Outro ponto de vista dessa análise diz respeito aos custos. Imaginemos quanto custa para um país como o nosso a desconfiança. É quase impossível medir isso, mas pretendo apenas deixar algumas pistas pra termos dimensão dessa grandeza. Comecemos pelo óbvio, a segurança física e patrimonial. Quanto deve custar para o país pagar empresas de segurança, sistemas de vigilância, travas e alarmes para produtos, fiscais de lojas, seguros contra roubo, prevenção contra fraudes e tanto mais. Tenho exemplos de empresa onde esse custo supera mais de 2% do faturamento bruto.  Enquanto isso na mesma Suíça há testes de lojas de autoatendimento onde o cliente entra, faz compras, passa no caixa, paga, empacota e vai embora sem ter que falar com nenhum funcionário. Quem é mais competitivo?
 
Outro aspecto que é a cara do nosso atraso e representa como nenhum os custos da desconfiança é a pura existência de cartórios. Ninguém confia no outro então temos que ter uma instituição que reconhece assinaturas, autentica cópias, registra contratos e imóveis, emite certidões e tantas outras atividades que só fazem acrescer custos e tempo nos processos, pois se de fato fossem esse instituto de segurança não teríamos tantas fraudes com documentos autenticados, com firmas reconhecidas e não haveria tanta grilagem de terras. Um custo inútil fruto da nossa desconfiança mútua e a crença de que um terceiro avalizado pelo Estado é o suficiente para validar tudo.
 
Para concluir vamos à gênese da palavra: confiar, fiar em conjunto, tecer com o outro. Portanto, confiar também significa construir algo junto, uma relação, uma família ou um país. Sem confiança somos um amontoado de pessoas buscando cada um se virarem o melhor que puder e não uma organização tecendo um futuro unida.

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