Todos os olhares

Combinando imagem fotográfica, vídeo e áudio na produção de sua obra, carioca Claudia Jaguaribe leva ao extremo, há décadas, a multiplicidade da arte contemporânea

06/04/2011 15:27 / Por: Guto Lobato / fotos: Fernanda Brito
Todos os olhares

Primeiro o desenho, depois a escultura. No início da idade adulta, uma súbita paixão pela fotografia. Passados alguns anos, uma aproximação com a linguagem do audiovisual. E, já na maturidade, a descoberta das possibilidades da literatura e das instalações multimídia. Escolher o suporte ideal para exercitar a criatividade não foi trabalho dos mais fáceis para a artista visual Claudia Jaguaribe – tanta inquietação, ao que tudo indica, deriva da paixão que a carioca de 55 anos tem pela renovação. “Cada novidade tecnológica logo me instiga, força a olhar para a frente”, diz.

 O Rio de Janeiro, terra natal da artista, é um tema recorrente na obra de Claudia 


 Conhecida no Brasil e no exterior por seu trabalho com fotografia e vídeo – áreas às quais mais se dedica atualmente –, Claudia tem uma história de vida pontuada por viagens, deslocamentos e mudanças; por conta disso, seu trabalho percorre temas diversos – da relação entre o homem e a natureza à vida nas grandes cidades e até os bastidores do carnaval brasileiro. Criada nos bairros do Botafogo e do Jardim Botânico, zona sul do Rio de Janeiro, a fotógrafa estudou nos Estados Unidos e, há 20 anos, trocou o calor e as praias cariocas pela efervescência cultural de São Paulo.


 Chegar às artes visuais foi um caminho natural. Aluna prodígio das escolas em que estudou, Claudia fazia desenhos e gravuras com inspiração direta em seu cotidiano. Na adolescência, desenvolveu uma paixão pela escultura – chamavam sua atenção a geometria, o detalhismo, a narrativa dos corpos e formas. O passo adiante foi ingressar no curso de História da Arte da Boston University, nos EUA, e por lá aprender a enxergar com novos olhos a produção artística moderna. “Nos anos 1970, os cursos de fotografia ainda eram um sonho distante no Brasil. Por lá, no entanto, a arte contemporânea estava no auge. O curso trazia um enfoque bastante visual e acabou abrindo minha mente”, lembra.


 A volta ao Brasil ofereceu, em princípio, oportunidades mais “práticas” – a fotografia de moda e publicidade, que, àquela época, tinha no Rio um de seus maiores polos. Só que o destino tratou de empurrar Claudia para São Paulo – e, de lá, para o exterior. Com 35 anos, ela chegou à cidade, montou seu estúdio e começou a emplacar obras em vários acervos, entre eles o do famoso Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). “Foi uma guinada não só na carreira, como também na vida pessoal, na forma de enxergar o mundo. A loucura e a correria de SP me instigaram profundamente”, afirma.


 Foi nessa identificação com a velocidade e o cotidiano múltiplo da capital que Claudia encontrou boa parte da inspiração para seus cliques de séries – projetos temáticos a que se dedica de tempos em tempos. O reconhecimento obtido por algumas sequências, como “Quem você pensa que ela é?” (1995) – nas palavras da autora, uma típica “fotonovela pós-moderna” –, “Retratos anônimos” (1996) e “Cidades” (1993), levou sua obra a espaços como o MAM de São Paulo e do Rio, a Fundação Tomie Ohtake (SP), o Kennedy Center, em Washington, e o Museé de la Photographie, na França. Mas ainda havia uma inquietação em sua mente. “Não é que ‘faltasse algo’ na fotografia; digamos que poderia haver algo por trás dela. E esse ‘algo’ encontrei no vídeo.” Estava inaugurada a fase multimídia – e nada fácil de catalogar – da artista.
 
Imagens em movimento
 A fascinação de Claudia pelo audiovisual é o que torna sua obra tão instigante; em exposições mais recentes, como a instalação “A fonte” – que faz parte da coletiva “Água na Oca”, em cartaz no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, até maio – o visitante não é convidado “apenas” a observar ângulos fotográficos. É, também, imerso em uma atmosfera composta por vídeos e sons que tentam aproximar o ambiente registrado do espectador. “O áudio e o vídeo ‘casam’ com a imagem, seja como pano de fundo dela, seja tendo-a como coadjuvante. É algo que dá novos horizontes à fotografia”, diz. “Aliás, para mim as exposições de parede branca, com fotos emolduradas em uma sequência organizada, já eram. É preciso mesclar plataformas”, emenda.

 Mescla entre fotografia e vídeo marcam o trabalho de Claudia


 Amante declarada de novas tecnologias, a fotógrafa não hesitou em abraçar os meios digitais para expandir horizontes. Foi assim que, aos poucos, o currículo de Claudia começou a ganhar vídeos em curta-metragem – quase todos feitos a partir de imagens em still (estáticas) e exibidos em mostras no Brasil e no exterior. Hoje, há oito em seu currículo; um deles, de ampla repercussão, é “Carandiru”. Homônima ao filme de Hector Babenco lançado em 2003, a obra é uma narrativa feita a partir da documentação que Claudia fez do set de filmagem ao lado de fotógrafos como Bob Wolfenson e Marlene Bergamo.


A diferença em relação ao original? A trilha sonora perturbadora, de autoria de André Mehmari, e a história de um assassinato dentro da famigerada casa de detenção, contada a partir de uma sucessão de fotos. “Vi que o material que tinha feito para colaborar com o livro do filme poderia render algo à parte. Percebi que o vídeo não só servia para enriquecer a experiência de ver imagens; podia se transformar em uma obra autônoma.” O resultado: nos últimos dez anos, curtas autorais – e muitas vezes abstratos – como “O voo” (2007), “Para onde eu vou?” (2007) e “Fantasia” (2003) já circularam em mostras de cinema no Brasil, no Canadá e até em Cuba.


  Outro eixo de interesse de Claudia é a literatura – não aquela textual, de ficção, mas a de documentação visual. Pouco a pouco, seu trabalho ganhou espaço nas bibliotecas do segmento de arte. Em 1993, a editora Companhia das Letras publicou “Cidades”, série de relatos fotográficos sobre os centros urbanos no Brasil. De lá para cá, outros sete livros foram lançados. Os temas são diversos: de 2002, “Aeroporto” tenta resgatar a “alma” dos – usando um termo do teórico Marc Augé muito apreciado pela fotógrafa – “não lugares” que hoje compõem as grandes cidades. “O aeroporto é lugar de nada e de tudo ao mesmo tempo. Acontece todo tipo de coisa nesse espaço de transição”, diz Claudia. Mais recente, “Passagio per Roma” (2008) foi editado na Itália, como resultado de uma participação da carioca em uma mostra internacional. A ideia: registrar ângulos diferenciados de pontos famosos de Roma. “Fiz uma série em que se observa o Coliseu a partir do final de uma rua que leva até ele. São olhares de um estrangeiro que passeia de ônibus pela cidade.”

Natureza versus homem
 As inquietações atuais de Claudia, no entanto, vão um pouco além do concreto e da velocidade dos centros urbanos. Reflexo dos anos de moradia no Rio de Janeiro, uma certa atração pela contemplação da natureza e dos contrastes entre o verde e o crescimento urbano acabou dando o tom de seus trabalhos mais recentes. Entre eles, está “Quando eu vi”, de 2007 – série que está entre as “meninas dos olhos” da artista e já circulou por galerias de todo o país. Outras que seguem rumo parecido são “Seu caminho” (2010) – que mostra a força, o fluxo e a correnteza das águas a partir de registros feitos em locais como Foz do Iguaçu (PR) – e “Rio de Janeiro”, ainda em elaboração, que traz ângulos panorâmicos das favelas e comunidades pobres da capital carioca que avançam sobre a mata.


Na exposição “Quando eu vi”, o espectador era levado a um percurso que simulava o interior dos principais biomas brasileiros. A Amazônia, o Pantanal e a Mata Atlântica remanescente da região Sudeste foram retratados por Claudia em imagens fotográficas, vídeos e sons captados na selva; tudo no intuito de criar uma atmosfera de imersão total na natureza. As paisagens “fechadas” dão a impressão de solidão e melancolia – de fato, era esta a intenção da autora. “A ideia é olhar como a natureza convive conosco, muito embora nem sempre sejamos capazes de percebê-la em nosso cotidiano. Não à toa, quis usar o audiovisual para proporcionar uma experiência de imersão nessas séries”, teoriza.


Conhecer a Amazônia foi, por sinal, uma experiência única para Claudia – que, do Norte, só conhecia Belém, fruto da vinda da exposição “Cidades” à Fundação Romulo Maiorana, ainda em 1993. “Achei a cidade uma das mais belas do país, e não só pelo verde e pelas belas frutas como também pelas pessoas, pelo gigantismo das construções”, lembra. Sua passagem pela região em 2007, no entanto, foi a partir de Manaus (AM). “Passei pouco tempo na cidade, fui logo para a floresta. Vi o espelhamento nas águas dos igarapés, a beleza do Rio Negro. É um ambiente fechado, de muito mistério... você ouve sons que parecem saídos de uma trilha sonora de filme.”
 
Lentes para o futuro
 Com 30 participações em mostras coletivas e 20 exposições individuais organizadas no Brasil e em países como Itália, Espanha, Estados Unidos, Escócia, Alemanha, Argentina e França, Claudia parece ser um bom exemplo do estereótipo de artista hiperativo – aquele que nunca está satisfeito com os rumos que deu à carreira. Não é difícil perceber isso ao entrar em seu estúdio, instalado nos fundos de uma confortável casa no Jardim Europa, zona oeste de São Paulo. Por lá, há de tudo um pouco – imagens de favelas cariocas, de árvores amazônicas, da correnteza de rios e, até, de viagens de férias para o exterior. É naquele “caos organizado” que Claudia passa suas tardes, tira um descanso pós-almoço e pensa nos projetos futuros. “Antes, cheguei a morar no Real Parque, no Morumbi [zona sudoeste/SP], mas não sei... era longe de tudo. Agora moro no trabalho e vice-versa. Tenho uma ideia e corro para o estúdio. Fico cansada e volto para o conforto de casa”, diz, sentada em frente a apetrechos tecnológicos como um iPad e um computador semiprofissional da Apple. “Acabo trabalhando em dobro, mas, em compensação, minha cabeça fervilha de ideias.”

 O trabalho da artista já rodou o mundo em exposições na América, Europa e Estados Unidos


 Ideias que, certamente, não vão ficar guardadas nos fundos da gaveta. Para 2011, a agenda de Claudia prevê ao menos cinco grandes eventos: em maio, a instalação “A fonte” será exposta na galeria Baró, em São Paulo; no mesmo período e cidade, ainda, a série “Rio de Janeiro” ficará em cartaz em uma mostra de vídeos e imagens no Museu da Imagem e do Som. Essa obra ainda seguirá, em julho, para o Encontro Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro. No mesmo mês, Claudia viajará a Madrid, na Espanha, para expor na galeria Blanca Soto – o trabalho que será levado ainda não foi escolhido. Em setembro, o Instituto Cervantes de São Paulo também receberá parte da série “Você tem medo do quê?” (2006) em sua galeria.


Como toda boa alma inquieta, Claudia vê esse turbilhão de afazeres como rotina – tanto que, ao mesmo tempo em que define quais obras expor, ela já pensa nos temas que inspirarão seu trabalho futuro. Uma viagem de férias para o Marrocos, feita pela artista em janeiro, é forte candidata. “Levei a câmera para aproveitar o país como turista, mas, feliz ou infelizmente, fotógrafo em viagem sempre está a trabalho”, brinca, sem dar mais detalhes sobre o conteúdo produzido por lá. Outro projeto das antigas que está prestes a sair do papel, curiosamente, está bem pertinho de seu cotidiano: até hoje, Claudia nunca fez um único trabalho sobre São Paulo. “Acho que agora é a hora certa. Hoje, passo muito tempo fora da cidade; isso faz com que meu olhar sobre ela fique mais aguçado”, diz. E quem sabe uma exposição multimídia sobre a Belém que conheceu há 18 anos e que, hoje, é um dos cenários mais impressionantes da urbanização em pleno coração da Amazônia? “Não descarto a ideia. Certamente, paisagens belas, misteriosas e surpreendentes não são raridade nas cidades da região.”

 

Para conhecer mais

www.claudiajaguaribe.com.br
https://barogaleria.com/artista/claudia-jaguaribe/

Para ler

Quando eu Vi (Ed. Punctum, 2009)
Passagio per Roma (Ed. Bandecchi, 2008)
As Cidades do Brasil - Rio de Janeiro (Ed. Publifolha, 2006)
Aeroporto (Ed. Codex, 2002)
O Corpo da Cidade (Ed. BEI, 2000)
Atletas do Brasil (Ed. Sextante, 1999)
Quem Você Pensa que Ela é? (Ed. 34, 1995)
Cidades (Ed. Companhia das Letras, 1993)

Para ver ao vivo

Exposição Água na Oca
Até 8/5
Pavilhão Lucas Nogueira Garcez – Oca do Parque Ibirapuera
Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – portão 03
São Paulo – SP
Ingressos: R$ 20
Informações: 0300 789 0002

Para assistir

Vídeo-instalação
Aeroporto (2002)
Você Tem Medo do Quê? (2006)
O Seu Caminho (2010)

Curta-metragem
Fantasia (2003)
Carandiru (2003)
Caraminholas (2003)
Tudo é Sofia (2004)
O voo (2007)
Para Onde eu Vou? (2007)
Quando eu Vi (2007/2008)
Passagio per Roma (2009)

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