Uma arte milenar

Há mais de três mil anos, a caligrafia japonesa encanta pelos traços delicados e precisos.

23/12/2019 08:39 / Por: Larissa Noguchi Fotos: Dudu Maroja
Uma arte milenar

A técnica de escrever no papel remonta à antiguidade: surgiu na China 1.300 a.C e foi introduzido no Japão pelo budismo, sendo mais difundida a partir do século VI d.C. A caligrafia japonesa, como é popularmente conhecida, é chamada de Shodo, que significa “o caminho da escrita”. E é assim, que a arte se dá no papel, como se fosse um caminhar dos traços.

No Japão, essa arte continua viva, mesmo nos dias atuais. Milhares de pessoas se dedicam à escrita, que faz parte do currículo escolar e é disciplina obrigatória nas escolas japonesas. Foi no ensino primário, que Etsuko Watanabe aprendeu a escrever a caligrafia japonesa e trouxe para o Pará. Nascida no Japão, chegou na Amazônia aos 22 anos, acompanhada do marido, também japonês. Hoje, aos 84 anos, continua exercitando o Shodo em casa. Etsuko fala e escreve poucas coisas em português e mantém a cultura da escrita japonesa assim como outros costumes orientais.

kit para fazer a caligrafia japonesa é composto por pincéis, tinta, um apoio para pincel e papel de arroz, que é bem similar a um papel de seda. O material de Etsuko ainda é o mesmo com o qual ela aprendeu a escrever, tem mais de 60 anos e permanece intacto com muitas memórias e lembranças da evolução dos seus traços. O material original dificilmente é encontrado no Brasil. É possível comprar pela internet ou em papelarias de materiais japoneses no bairro da Liberdade, em São Paulo.

Os componentes necessários para a escrita japonesa são: suzuri (tinteiro), que serve para colocar a tinta; o bunchin (peso de papel) que mantém o papel fixo, sendo, geralmente, de ferro ou cerâmica; o washi (papel de arroz) feito artesanalmente (não possui aditivos químicos e tem a durabilidade maior que os papéis comuns); fude (pincel) com tamanhos e espessuras diferentes para cada tipo de traço e o sumi (bastão de tinta).

Em Belém não há cursos regulares de Shodo, apenas oficinas nas comemorações da Semana do Japão ou em grupos fechados e foi em uma dessas festividades que Etsuko começou a mostrar sua arte aos paraenses. “Quando foi se aproximando as festividades da cultura japonesa, aqui em Belém, a Associação Nipo Brasileira me chamou para mostrar um pouco da caligrafia e ofereci oficinas curtas, de três dias. Mas o tempo é curto demais! Difícil alguém aprender de primeira”, ressalta. 

É preciso persistência para alcançar a perfeição nos traços. O pincel é bem molhado na tinta e desliza no papel em quarenta e cinco graus com precisão firme das mãos. Caso a letra ou símbolo não esteja perfeito, o papel é descartado. Não pode haver erro. No Japão, o Shodo é usado para escrever poesias, canções e frases soltas e pode ser emoldurado. “Adoro escrever as poesias japonesas. Treino as letras e deixo cada vez mais perfeita a escrita. Um dia me disseram que eu fazia muito bem e eu fiquei muito feliz”, comenta Etsuko sobre a prática da caligrafia que sempre busca a perfeição do traço.

O sistema da escrita japonesa também é desafiador. Existem três tipos diferentes: o hiragana, o katakana e o kanji. O hiragana katakana são silábicos e cada alfabeto tem 46 letras, que podem ser usadas em conjunto. Já o kanji tem origem chinesa e são ideográficos, cada símbolo representa uma palavra, por exemplo.

Onde encontrar informações sobre a caligrafia japonesa:

A Associação Nipo-Brasileira expõe e oferece oficinas livres durante a semana do Japão. Não há curso fixo em Belém.

“Quando dou aula para brasileiros, ensino em katakana. Pois para os estrangeiros, é mais fácil de aprender. Depois, é possível treinar o kanji, que cada palavra é um símbolo e também é interessante pra ensinar”, comenta Etsuko.

Outra curiosidade do alfabeto japonês é a ausência de encontros de consoantes como o “TR” ou PR”. Por ser escrita e falada silabicamente, os encontros consonantais acabam sendo separados em sílabas com vogais. A palavra “Brasil”, em japonês, fica “Bu-ra-ji-ro”. Algumas letras, como “L” e “J”, não existem e são substituídas por outras sílabas. O nome próprio “Larissa”, fica “Ra-ri-ssa”. Por isso, além da caligrafia, o praticante do Shodo acaba aprendendo o básico da língua japonesa para entender as diferenças das palavras. Não existe gênero (masculino e feminino) e nem o plural das palavras.

A escrita é feita da direita para a esquerda, assim como a leitura, bem diferente do modo ocidental de se escrever, que é ao contrário. As linhas são verticais, também o inverso da linguagem ocidental que é na horizontal.

Anualmente, são feitas diversas competições no Japão para incentivar os praticantes e não deixar essa arte morrer. Os candidatos possuem as idades mais variáveis, desde crianças até os mais velhos. Preservação de uma cultura que é admirada por muitos paraenses, afinal, o Pará tem a terceira maior população de imigrantes japoneses do país. A curiosidade e admiração pela arte milenar do Shodo, motivou Ana Maia, de 21 anos, a participar de uma oficina de caligrafia. “A caligrafia japonesa é muito representativa da cultura, pois leva a disciplina como principal base para exercê-la, de que a pessoa tem que estar numa posição adequada e seguir rigidamente as sequências e direções ao fazer cada pincelada no papel”, disse a estudante de design que não tem descendência oriental, mas é apaixonada pela cultura japonesa. Estudante de design, Ana conheceu a arte da caligrafia visitando as festividades culturais de origem japonesa e se informando sobre hábitos e tradições orientais. Por curiosidade e afinidade com a sua área de estudo, decidiu fazer uma oficina e percebeu o quão difícil é o Shodo. “A caligrafia é apreciada em muitas peças industriais e gráficas, sendo um conceito que manteve sua estabilidade como tendência. Meu interesse em usá-la como conceito também floresceu a vontade de aprender mais sobre ela”, finalizou.

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