Viagem ao centro de si

Visitar a espiritualizada Índia pode ser uma intensa jornada de autoconhecimento.

16/06/2014 11:03 / Por: Tatiana Brisolla / Edição: Camila Barbalho/ Fotos: acervo pessoal
Viagem ao centro de si
Quem nunca sonhou com as belezas e mistérios da Ásia e sua grande sabedoria? Quem nunca se transportou para perto de iogues, faquires e de todo o exotismo de um mundo tão distante e diferente do nosso? No dia em que descobri a existência da Índia, por meio das lindas mulheres vestidas como princesas e com as mãos decoradas de henna, percebi que algo muito além da minha compreensão existia nessa região do mundo. Fiquei intrigada sobre como vivem estas pessoas, saídas de um conto de fadas. Até então, era apenas um sonho, irrealizável. Mais tarde, aos 18 anos, uma amiga me levou para uma aula de yoga. Ao entrar na sala, descobri que éramos as mais novas; e que, em cada nova postura proposta, eu aprendia sobre as capacidades e limites do meu próprio corpo. Pratiquei Ioga nessa escola por três anos, duas vezes na semana. A cada aula eu melhorava: me aprofundava nas posturas, na respiração, no relaxamento e na aventura do autoconhecimento. Apesar da distância, a Índia já me acolhia e me ensinava a viver melhor comigo mesma e com o mundo.
 
Dez anos mais tarde, fui visitar uma amiga na França. Caminhando pelo metrô, dei de cara com uma promoção de voo Paris/Chennai (sul da Índia), por 300 euros ida e volta... O tempo e minha respiração pararam. Meu coração batia tão alto que pareciam passos - passos de uma viajante que berrava dentro de mim. Imediatamente comprei a passagem, organizei meu visto e liguei pra casa: eu não voltaria em duas semanas, mas seguiria viagem até a Índia. Era um chamado. Como sou bióloga, logo pesquisei na internet sobre lugares interessantes para fazer voluntariado em Educação Ambiental. Todos eles propõem casa e comida em troca de trabalho - algo bem comum na Índia. Planejei ficar por três meses. Busquei informações sobre os costumes e a cultura, coloquei quatro mudas de roupa na mochila, levei a câmera na mão e embarquei para a maior aventura da minha vida.
 
Ao descer do avião, eu não podia acreditar onde estava e nem sabia exatamente o que fazer, pra onde ir... Eu só queria sentar e observar. Mas já era hora do almoço, e eu ainda tinha um longo caminho, de ônibus, pra encarar até meu primeiro pouso. Consegui me virar em inglês e pegar quatro horas de condução em um veículo velho, lotado. Viajei em pé, junto com galinhas vivas, cestos de peixe e pessoas simplesmente apaixonantes, com um sorriso constante no rosto, o olhar brilhante e uma simplicidade indescritível. Eles não falavam uma palavra de inglês, apenas Tamil.   Ainda assim, passamos horas conversando e trocando sorrisos. Eu era a única “branca” do ônibus. Senti-me segura e acolhida por todos. Ao chegar a Pondicherry, cidade de colonização francesa, todos sabiam que era a minha parada e me avisaram que era pra descer. Enquanto o ônibus partia, ainda cheio, todos acenavam pela janela, despedindo-se com sorrisos enormes.

Comecei então a trabalhar em uma ecovila chamada Auroville, uma das maiores do mundo. Lá, ensinei mulheres de vilas vizinhas a utilizar um fogão e forno solar - para evitar o desmatamento pelo uso de lenha para cozinhar e as mulheres não terem de caminhar cada vez mais longe para achar madeira, carregá-la, afastar-se de suas crianças e correr riscos ao caminhar sozinhas pelas florestas. Também criei um programa de conscientização sobre o lixo com as escolas locais e me juntei a um grupo de mulheres que produzem belíssimas bolsas de restos de tecidos e de sacos de cimento, possibilitando que elas sejam independentes financeiramente. Morei mais tarde em uma fazenda de produtos orgânicos, onde cultivava a terra, de cinco da manhã até meio dia, também em troca de casa e comida. Andei o primeiro mês de moto, depois aprendi a delícia de viver de bicicleta.

Perdi-me no tempo e no espaço. Eu vivia o momento como nunca antes em toda minha vida. Trabalhei pelo coração e não pelo dinheiro. Descobri o prazer em ser útil ao mundo e fazer o bem.  Descobri minha capacidade e minha força. Quando me dei conta, percebi que passei três meses apenas naquela comunidade e ainda tinha muito que viver e descobrir pela Índia toda. Liguei pra casa e avisei que seguiria viagem.

A densidade populacional da Índia é muito impactante. Muita gente gera muito movimento, barulho, carros, cheiros, lixo, agitação - além das festas e músicas constantes. O clima depende do local onde se está. O Sul é bem tropical e turístico, enquanto o Norte é mais variado - entre desertos, montanhas, florestas e cidades de todos os tamanhos. A famosa ‘monção’ é um período de chuvas intensas que devem ser consideradas no planejamento da viagem. O melhor é passar o verão entre junho e julho nas alturas mais frescas do norte e o inverno que dura dezembro e janeiro no calor do sul. O período de trabalho intenso e sem fim de semana me deixou exausta, assim decidi tirar férias. 

Junto a um rapaz francês que lá conheci e com quem muito me identifiquei, segui para a cidade sagrada de Varanasi, onde todos querem ser cremados. Eles acreditam que, assim, escapam do ciclo de vida e morte.  As cinzas são então jogadas no famoso rio Ganges, conhecido por retirar os pecados de quem entra em suas águas. Infelizmente, nesse ponto ele é extremamente poluído. Varanasi é considerada a cidade habitada mais antiga do mundo, datando do século VII antes de Cristo. Suas ruelas parecem labirintos, onde se perder oferece o grande prazer de descobrir lugares incríveis. Também conhecida como capital da musica na Índia, estudantes do mundo todo passam por lá e, por onde se anda, se ouvem janelas musicais. Ao longo dos corredores, vemos vacas comendo lixo, cachorros que brigam com macacos e cenas completamente inesperadas.
 
Seguimos viagem de trem até Rishikesh, outra cidade sagrada na beira do Ganges, no pé das montanhas. O rio é cristalino, lindo, vivo e rodeado de natureza. Foi lá que entramos pela primeira vez em suas águas e fizemos nosso ritual de purificação. Por todo o país, vemos pessoas praticando rituais com flores, incensos, oferendas, mantras e muita devoção. Mesmo sem entender o que estão dizendo, é uma experiência incrível. Aprende-se muito sobre humildade. Em Rishikesh, existem vários cursos de ioga que atraem turistas, assim como os ashrams - centros de estudo voltados à espiritualidade, visando à evolução para atingir a libertação. Vive-se em retiro, como em um monastério, para aprender práticas cotidianas: rituais, mantras, a ioga com sua filosofia e os ensinamentos de um guru específico. Vivemos uma semana intensa em um ashram fora da cidade, em meio à natureza. 

Passamos rapidamente por Nova Delhi para renovar meu passaporte na embaixada do Brasil e saímos rapidamente de lá, porque cidades grandes são caóticas e cansativas. Na Índia, há uma grande preocupação em vestir-se de maneira apropriada. Roupas apertadas, curtas ou decotes são muito mal vistos. Mulheres, principalmente, devem usar calças largas e longas, com batas de manga comprida. Um lenço para cobrir a cabeça em templos é recomendado. O melhor é comprar roupas por lá mesmo - como uma combinação chamada salwar kameeze, que já vem com um lenço. Deixamos sempre os sapatos nas entradas dos templos. Os costumes também são um bocado diferentes do que estamos habituados. Por exemplo, deve-se evitar apontar os pés na direção de alguém. Outro comportamento comum é que homens andem de mãos dadas - porém é bom evitar contatos físicos românticos em público, de maneira geral. Pechinchar faz parte da cultura. Pedir dinheiro, canetas e comida é bem frequente, principalmente com as crianças.  É importante saber dizer não sem ofender ou cooperar quando possível. O “sim” é gesticulado com a cabeça com um balançar similar ao “não”, o que confunde bastante no início.
 
De Nova Dheli, seguimos para o Nepal, onde passamos dez dias caminhando nos Himalaias, para finalmente chegar ao Campo Base da montanha nevada Annapurna. Uma experiência transformadora, mágica do início ao fim. Meu companheiro de viagem teve de voltar pra França e nos despedimos ali, transbordando em alegria e gratidão profunda à vida. Por meio de contatos ao longo do caminho, descobri mais duas fazendas orgânicas que aceitam voluntários em troca de comida e hospedagem. Fui morar na casa de nepaleses ainda mais simples e maravilhosos que os  indianos, durante outros três meses. Cozinhei com as ammas (mães), trabalhei com o solo, as plantas, o composto, os búfalos, os bodes e os nativos mais incríveis que já conheci. 

Fui convidada a um casamento tradicional, participei de festas enormes em templos lotados, me diverti com crianças curiosíssimas e muito inteligentes; passei apertos em ônibus em estado deplorável, abandonei um deles a pé junto com a multidão por causa de uma greve que fechou a estrada por horas, caí dentro de um bueiro aberto e quase quebrei a perna; comi as comidas mais gostosas, engordei seis quilos, aprendi a apreciar pimenta, descobri o prazer de comer com a mão. Deparei-me com as vantagens anatômicas e o bem estar de utilizar um vaso sanitário indiano (de cócoras!), com a ideia de escovar os dentes com o mínimo de água e tomar banho de baldinho. Também passei a produzir o mínimo de lixo, pois não tem coleta, nem tratamento - tínhamos de queimar tudo e essa experiência é chocante. Fui morar num monastério budista, aprendi a viver com três mudas de roupa, a viajar leve e a me deixar viver em paz. Mudei para Lumbini, cidade onde Buda nasceu. Lá, pratiquei por dez dias uma meditação silenciosa chamada vipassana - uma técnica desenvolvida por ele. Comemorei silenciosamente meus 30 anos nesse retiro, o que foi um grande presente pra mim. 

Voltei para a Índia e trabalhei em outra ONG em Dehradun. Subi até a fonte do Ganges, nas montanhas de Gangotri, atravessei um glaciar a pé... Subi ainda mais e senti os efeitos de altitude que não me deixavam força pra dar mais de cinco passos de cada vez. Dormi num abrigo feito de pedras, criado e cuidado por uma senhora que vive de doações apenas para ajudar peregrinos; conheci um homem que está em retiro de silêncio nas montanhas há 15 anos e que tem um olhar tão puro e vivo quanto o de uma criança. Chorei por horas de tanta emoção e força que me atravessavam o coração. Não cabia em mim de tanta gratidão.

Fui então efetuar a última meta da viagem, e finalmente fazer um curso de yoga. Mudei-me pra Mumbai, onde - depois de 12 meses de prática pessoal - me formei para dar aula para jovens e crianças. Quando o dinheiro acabou pela terceira vez, eu finalmente aceitei o fim dessa aventura. A minha viagem planejada inicialmente para durar três meses se transformou em um ano de aprendizado intenso e profundo. Por isso, recomendo: compre um guia de viagem sobre a Índia, organize-se com um amigo, viaje leve, abra sua mente e seu coração para uma nova visão do mundo.
 
Dicas

Dinheiro
Índia – Rupias Indianas
Nepal - Rupias Nepalesas
 
Língua

A língua principal é o Hindi, porém existem por toda a Índia centenas de dialetos. Portanto, a língua oficial 
do turismo é o inglês, e em alguns locais se fala francês.
 
Como chegar - Índia

Chennai – Avião, trem ou ônibus.
Pondicherry – Trem ou ônibus de Chennai até Pondicherry
Auroville – Táxi ou riquixá (triciclo motorizado) de Pondicherry até Auroville
Varanasi – Trem ou ônibus
Rishikesh – Trem ou ônibus
Dehradun - Trem ou ônibus
Gangotri - Ônibus
Nova Dehli – Avião, trem ou ônibus.
Mumbai – Avião, trem ou ônibus.
 
Como chegar - Nepal

Pokhara, começo da trilha pra o Campo Base do Annapurna – Ônibus, riquixá ou táxi.
Lumbini – Ônibus, riquixá ou táxi.
 
Lugares mais famosos

Agra: Taj Mahal
Hampi: Templos e formações rochosas impressionantes.
Goa: praias e festas
Kerala Backwaters: Passeios de barco pelas aguas salobras em meio a natureza exuberante.
Rajastão: Deserto, montanhas, vilarejos isolados e monastérios 

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