Câmera e ação

Representante do Pará em Cannes, Roger Elarrat fala da maturidade conquistada e dos desafios lançados no cenário audiovisual.

18/01/2013 17:00 / Por: Carlos Brito
Câmera e ação

A cena audiovisual paraense tem conquistado cada vez mais espaço no território nacional. Novos nomes e projetos experimentais vêm surgindo e, com eles, um leque de opções é aberto - tanto para novas produções quanto para os apaixonados pela sétima arte.

Abrilhantando ainda mais essa pluralidade de gêneros, Roger Elarrat se destaca como um dos nomes mais promissores - que, no ponto certo entre o frescor da juventude e a vasta experiência, traz em seus trabalhos a riqueza de detalhes e significados enraizados em temas fictícios. Em seu currículo, um resumo da sua pluralidade: documentários (“Chupa-Chupa: a história que veio do céu”), animações (“Visagem”, animação em stop motion), curtas (“Vernissage”, um vídeo experimental) e até minisséries (“Miguel Miguel”, baseada na obra do escritor paraense Haroldo Maranhão). 

Em 2012, o mais recente trabalho de Elarrat, “Juliana contra o Jambeiro do Diabo pelo Coração de João Batista”, ganhou as telas francesas, representando o Pará no Festival de Cannes - uma experiência e tanto, como o próprio diretor reconhece nessa entrevista que deu ao site da Revista Leal Moreira.

Site da Revista Leal Moreira - Recentemente, seus trabalhos foram exibidos em uma mostra no Cine-Teatro Líbero Luxardo. Qual a importância de espaços como esse na formação de jovens cineastas?

Roger Elarrat - Salas como o Cine-Teatro Líbero Luxardo, que tenham panoramas do cinema mundial, que não sejam da vertente mais comercial, são essenciais para a formação fílmica de qualquer um que queira conhecer essa arte mais a fundo. Melhor ainda quando espaços assim também fazem mostras diferenciadas de grandes obras ou filmografias de autores relevantes na história do cinema. Muitas vezes nos faltam referências, indicações e opções em meio à atualidade. Temos acesso a quase tudo na internet, mas precisamos de referências, saber por onde começar ou até mesmo precisamos de espaços de convivência para trocar ideias e muitas vezes debater cinema. Além de que é sempre bom poder conhecer e rever grandes obras em verdadeiras salas de cinema.

S. R. L.M. - De onde vem à inspiração no momento de criação dos seus trabalhos?

Elarrat - Eu não acho que "inspiração" seja como eu desenvolvo meus projetos, também não dá para dizer que exista o tal "momento de criação". Normalmente, eu trabalho muito tempo desenvolvendo as histórias e os roteiros, maturando, confrontando ideias. Para isso, preciso pesquisar muito, buscar referências que nem sempre estão no cinema, mas algumas vezes em outras artes ou até mesmo no cotidiano. Às vezes, uma primeira ideia é apenas um dos elementos que preciso para desenvolver a história que ainda está muito longe de fazer algum sentido. Até que eu tenha todas as partes montadas no papel, já precisei me debruçar sobre o projeto por um longo tempo. Por isso não existe o tal "momento chave". É tudo um processo. E também não vejo "inspiração" como algo que se aplique a como eu escrevo, dirijo, monto os filmes. São projetos que precisam de ideias e criatividade em muitos momentos, em muitas etapas do todo, aplicados de maneiras diferentes até que se tenha algum resultado. E tudo isso só dá certo com muito estudo, muito foco e dedicação. Por isso nunca parei um projeto por falta de "inspiração", por exemplo.

S. R. L.M. - Falando nisso, o seu mais recente trabalho, “Juliana Contra o Jambeiro do Diabo pelo Coração de João Batista”, veio a partir de que ideia?

Elarrat - As minhas referências mais diretas são Fausto, "Coração Satânico", e por incrível que pareça, um episódio dos Simpsons em que o Bart vende a alma. Então, como eu sempre trabalhei com realismo fantástico, religiosidade e cultura popular, eu tinha esse interesse em desenvolver um personagem sem alma, que estivesse em busca dela, mas de um jeito mais próximo da nossa cultura. Na literatura, TV e cinema já existem muitas obras que tratam dessa premissa, então eu procurei um referencial novo, algo que tivesse uma perspectiva diferente do que já tivesse sido criado antes. E foi quando criei a analogia do coração ao jambo, a religiosidade mais sincretista e uma personalidade diferente para esse perfil de personagem. Então foi um longo processo até encontrar essas respostas e unir todas elas em um enredo. O elemento mais interessante foi a ambientação desse confronto com o Diabo pela alma em meio a um carnaval de Boi de Máscaras, com tudo mais onírico e presente apenas no olhar do protagonista, como em "O Pescador de Ilusões".

S. R. L.M. - Ver o seu trabalho sendo exibido em Cannes deve ter sido uma experiência e tanto. Conte pra gente, o que você tirou de aprendizado desse momento?

Elarrat - Estando lá, era fácil perceber que existe um grande e forte mercado cinematográfico. O comércio em torno do cinema é assombroso e se dá de formas diferentes pelo mundo. Na França é muito diferente dos Estados Unidos, por exemplo, que não se interessa por filmes falados em língua não inglesa. Em Cannes era uma curiosidade enorme por estéticas de todo o mundo, enredos simples e muitas vezes filmes tecnicamente mal acabados. Eles também têm muito interesse em co-produzir filmes com outros países, mas era também estranho que todos ali queriam muito falar, divulgar e tentar fechar negócios com seus produtos mas poucos dedicavam tempo para dar atenção e ouvir uns aos outros. Curtas-metragens são sempre cartões de visita, mas não têm saída comercial em lugar nenhum no mundo. Mesmo assim, éramos tratados com muito respeito lá e tive acesso a muitas mostras dentro do festival, incluindo as premières da mostra competitiva na sala principal. Vi e falei com cineastas e astros por lá que circulavam muitas vezes livremente pelo festival.

S. R. L.M. - Qual a maior dificuldade de se produzir um trabalho audiovisual na região?

Elarrat - Aí depende porque "trabalho audiovisual" engloba muita coisa. É relativamente fácil hoje pegar uma câmera e sair por aí gravando, ou reunir amigos e fazer um curta independente, ou até mesmo produzir vídeos no meio acadêmico. Também dá para, com um mínimo de apoio, produzir um documentário. A maior dificuldade em casos como esses é dedicação quando se tem custos, mas se faz com "ajuda", "favor". Já vi muita gente desanimar ou levar anos em projetos independentes até que tudo fique pronto. Agora, se é cinema, acho que financiamento é sempre o maior desafio. Seja em leis de incentivo ou em editais, conseguir financiar um filme com estrutura cinematográfica de realização acaba sendo o mais difícil de fazer. Antes, era difícil ter acesso aos equipamentos de ponta, ou conseguir profissionais capacitados. Mas hoje, o único grande desafio no cinema local ainda é financiá-lo.

S. R. L.M. - O que se vê são muitos projetos experimentais, mas poucos continuam na estrada. Em sua opinião, o que a região precisa para despontar no cenário de produções audiovisuais?

Elarrat - Acho que precisamos de mais incentivos financeiros. É um desafio enorme fazer um curta, que nem sempre nos dá muito retorno. Não temos atualmente editais locais para curtas, muito menos para longas. Seguir uma carreira no meio cinematográfico aqui pede que se busquem muitas formas de patrocínio e nem todo mundo tem esse perfil. Conheço muitos artistas talentosos, mas só talento não nos basta.

S. R. L.M. - Seu currículo tem documentários, animações e até minissérie de TV. Algo que você ainda pretenda acrescentar em sua carreira? O que dá mais trabalho, quando se refere à criação até o acabamento final?

Elarrat - Eu sempre faço algo de diferente a cada filme. Espero ainda um dia filmar mais documentários pelo interior, cenas de lutas em algum filme de ficção e mesclar mais técnicas diferentes em filmes de animação. Experimentar linguagem é sempre um grande desafio e um grande aprendizado, e renova aquela vontade de criar e fazer algo completamente diferente em novos projetos. Agora, o mais difícil é trabalhar com animação. É sempre algo lento, cuidadoso e que necessita de uma perícia técnica mais difícil de alcançar que as outras linguagens.

S. R. L.M. - Projetos para este ano?

Elarrat - Este ano estou montando meu escritório para gerenciar meus próprios projetos, ao mesmo tempo em que vou me dedicar mais à televisão, mas também já tenho um novo roteiro para cinema. Até o fim do ano já espero começar a trabalhar para que se torne um novo filme.

Para conhecer mais sobre o novo trabalho de Roger Elarrat, “Juliana contra o Jambeiro do Diabo pelo Coração de João Batista”, acesse: https://jambeirododiabo.wordpress.com/

 

 

 

 

 

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