Carlos Moreira

A beleza é o objetivo de João Carlos Moreira que descobriu na fotografia uma forma de ver o mundo.

13/02/2014 19:11 / Por: Camila Barbalho / Fotos: João Carlos Moreira
Carlos Moreira

Carregado de profundidade, o ensaísta Khalil Gibran certa vez afirmou que vivemos para descobrir a beleza. "Todo resto é uma forma de espera", cunhou o libanês. Também Goethe exaltou o que comove os olhos. Nas palavras do escritor alemão, "a beleza é um visitante bem-vindo em qualquer lugar". O belo, esse conceito tão caro e indefinível a um só tempo, inspira toda sorte de homenagem - quase sempre carregadas de amor. E assim como os amores, a descoberta da redenção estética obedece a caminhos muito pessoais. Às vezes, mais que esperar a visita da beleza, é preciso ir visitá-la. Revê-la, reconquistá-la, até mesmo redescobri-la a cada reencontro. Sim - porque, para quem sabe ver e amar o belo, cada volta apresenta um ineditismo, algo novo a ser apreciado. É como se a beleza também soubesse ver quem a enxerga, e assim se apresentasse mais espontaneamente. João Carlos Moreira entende isso de maneira muito natural. Já são mais de vinte anos com uma câmera na mão, reconhecendo o encanto e por ele sendo reconhecido.

O gosto pela fotografia começou da maneira que começam as melhores coisas: despretensiosamente. Foi numa viagem para a Turquia com um grupo de amigos que ele comprou sua primeira câmera. "Eles tinham uma máquina bem legal, e a minha era muito simples. Eles começaram a fotografar, conseguiam um resultado bacana... Ainda era na época do filme. Lá mesmo, decidi comprar uma máquina e mexer um pouquinho nela", relembra. A primeira experiência com a nova brincadeira foi, de fato, um momento de descoberta. "Fiz fotografias normais com ela, coisas que fazemos quando estamos viajando. Foi só em outra viagem que decidi utilizá-la de maneira mais consciente, aproveitando seu potencial". No retorno, ao revelar as imagens que registrou, revelou-se também a nova paixão. "Encontrei não só um resultado bonito, mas algo que eu gostava realmente de fazer".



A relação com as artes visuais, porém, veio de muito antes. João Carlos já se sentia bem, quando mais jovem, entre papéis e rabiscos. "Sempre gostei muito de desenhar. Tanto que eu fiz colégio técnico. Eu poderia optar pelo curso de arquitetura, pelas ciências exatas; ou o curso de publicidade e propaganda, onde aprendíamos desenho artístico. Optei pela publicidade justamente por conta do desenho, que era feito a lápis, tinha aquele visual preto e branco", conta. O desenho, naturalmente, influenciou a maneira de fotografar - e mesmo algumas de suas predileções de estilo. "Isso acabou me dando um pouco mais de conhecimento na hora de reconhecer o que pode render uma imagem mais artística, sobretudo em preto e branco - tipo de foto que gosto mais de fazer".

A dramaticidade do P&B, aliás, é tema recorrente em seu trabalho desde a primeira vez que saiu para fotografar de maneira mais consciente. "A primeira vez que levei a câmera e a usei realmente foi também em uma viagem. Eu não acreditava muito nas imagens que faria, fui fotografar pela diversão. De qualquer forma, levei a que uso para fotos coloridas, e junto foi a P&B. As fotos ficaram muito bonitas, e tive um retorno muito bom delas. A aceitação foi ótima. Passei a usar cada vez mais o preto e branco por conta dessa experiência", revela. E analisa a própria preferência: "mas eu já gostava das fotografias em preto e branco mesmo antes de começar a experimentar fazer as minhas próprias fotos. Eu tenho a sensação de que é naturalmente mais artístico, mais dramático. Talvez porque todo mundo tem máquina agora, e todo mundo tira foto toda hora. E antigamente, em preto e branco, a fotografia era mais artesanal. A vantagem é que hoje você pode fotografar em cores e depois optar por deixar a imagem como você preferir".



Aliada à paixão pela fotografia em si, a vontade de ultrapassar as fronteiras também motiva e inspira João Carlos Moreira. "Eu dificilmente fotografo aqui em Belém. Normalmente, fotografo quando eu viajo. Gosto de abordar nas imagens traços típicos do cotidiano dos lugares aonde vou". Segundo ele, o contato com outras culturas e ambientes aos quais ainda não se está anestesiado desperta a atenção dos sentidos e rende fotos especiais: "gosto de fotografar mesmo a rua, as coisas que estão acontecendo ali, naquele momento. Gosto de fazer brincadeiras com o foco, em contraste com áreas desfocadas. Prefiro fazer imagens que tenham algo de diferente, que tenham algo que denote uma pessoalidade".

A Europa é o destino mais frequente nas viagens de Moreira, graças ao seu potencial histórico, suas muitas referências e sua beleza nobre. No continente, não foram poucos os lugares visitados e registrados pelas suas lentes. "A minha foto preferida, dentre todas as que fiz até hoje, foi feita em Verona. Mas também gostei muito de fotografar na Itália, França, República Tcheca, e Holanda - tanto Amsterdã quanto o interior...", enumera. Holanda, aliás, inspirou imagens especiais todas as vezes que foi revisitada, como a imagem dos prédios refletida nas águas do rio, uma de suas fotografias mais celebradas. Não à toa, um dos ensaios feitos na capital do país virou matéria e capa da Revista Leal Moreira, em setembro de 2006. Anos mais tarde, em novembro de 2012, a capa foi eleita a mais bonita da história da publicação, em votação realizada junto ao público.



A Holanda, ao lado da Turquia, é o lugar que inspira mais carinho e saudades. "Holanda e Turquia são países que eu gosto de visitar sempre. Acabo preferindo voltar a esses lugares a ir conhecer um país novo, por exemplo. Além de serem lugares lindos, o clima frio me agrada bastante. Talvez por isso eu quase nunca viaje no verão. Gosto da experiência de estar em outro ambiente, outra realidade. E a Turquia, em particular, rende bastante visualmente - já que é um país cuja cultura difere mais da nossa. Outros pontos da Europa não estão tão distantes do ponto de vista cultural". A segurança também é um ponto que favorece bastante o interesse que João Carlos tem de sair de sua cidade para fotografar. Ele explica que, nas viagens para esses lugares, é possível andar com a câmera por aí de madrugada, a hora que for, sem medo de ser assaltado ou de sofrer alguma violência. "A tranquilidade permite que se olhe para os lugares sem ter que lidar com medo ou preocupação".

Quando o objetivo da viagem é realmente trabalhar o olhar de fotógrafo, Moreira considera mais produtivo estar acompanhado de menos gente. Para ele, há mais liberdade para obedecer aos próprios processos. "Não costumo viajar de grupo. Quando viajo, é com mais uma pessoa ou sozinho. Viajar sozinho tem vantagens e desvantagens, quanto a fotografar. A vantagem é que você pode ficar dez, vinte, trinta minutos esperando para fazer uma foto. Quando tem alguém esperando, você deixa essa foto em potencial para trás". Ele também destaca a concentração, mais fácil de atingir sem companhia. "Quando se viaja sozinho, há mais tempo para prestar atenção. Quando se está com alguém, você vai conversando, brincando, entretido. Não está tão atento ao seu redor".

A linguagem artística de João Carlos tem fortes raízes intuitivas. Ao ser perguntado sobre o que o faz perceber que algo pode render uma boa imagem, ele reflete por um instante e diz: "não sei. É chegar, bater o olho e fazer a foto". O empirismo anda de mãos dadas com a sensibilidade, e permite fotografias de forte apelo emocional - tudo com a naturalidade que a prática experimental proporciona. "Não costumo pensar no que eu quero fotografar e ainda não fotografei. Não faço essa projeção. Eu não sou fotógrafo. Nunca fiz curso, nem me especializei, nem tenho essa ambição. A minha experiência é a do cotidiano, da experimentação, da descoberta", avalia. As poucas exposições individuais refletem muito da personalidade do próprio artista, tímido. A despeito disso - sabendo-se do desperdício que é ter um talento e guardá-lo só para si - algumas de suas belas obras podem ser apreciadas nos enormes painéis fotográficos encontrados em cada prédio da Leal Moreira.

Para além da intuição, outro aspecto íntimo se relaciona com a narrativa visual que Moreira propõe: a memória. Em seu trabalho, a fotografia sugere um caminho à construção das lembranças - de ida e de volta. "Há fotos que são feitas intencionalmente. Por exemplo, minha foto preferida foi feita de propósito. Eu olhei à minha volta, achei a luz bonita, a atmosfera pós-chuva, intimista e melancólica... Tudo ali parecia favorecer um registro, pra ser guardado. Outras vezes, a fotografia acontece de um jeito meio despretensioso e o resultado surpreende. Pode acontecer de a foto ser feita para que se lembre daquele momento; ou de aquele momento só ser lembrado porque a foto proporciona isso. Os dois caminhos são reais".  



Apesar da preferência pelas características mais artesanais da fotografia, João Carlos não é, nem um pouco, um avesso à tecnologia. Mas mesmo assim, ele - que, deixa claro, não tem Instagram - enxerga as luzes e sombras da modernização na captura de imagens. Um lado bom? A passagem do analógico para o digital. A aprovação vem de uma experiência pessoal: "houve uma vez em que fiz uma viagem, fotografei bastante... E perdi praticamente 70% das imagens. O que aconteceu foi que eu fazia a foto e ela estava perfeita no visor; mas, ao revelar, só era possível ver a metade. Todas as fotos apareciam cortadas. Foi uma decepção muito grande. Nesse momento, decidi aposentar o filme. Com a digital, eu posso até perder alguma coisa. Mas sei exatamente o que eu tenho nas mãos, como vai ficar o resultado...", conta. Como demérito da facilidade, está a desimportância no trato com a arte. "Hoje a facilidade banalizou um pouco a fotografia. Não é raro ver essa banalidade levando as pessoas a percorrer os mesmos caminhos fotográficos. É muito fácil, hoje, tirar uma foto, acrescentar um filtro e pronto. Não é que eu veja isso como algo ruim, mas eu prefiro o método mais tradicional. Quem é apaixonado, quem quer fazer do melhor jeito possível, quem quer testar algo diferente".

Para quem compartilha da mesma paixão e gostaria de se aventurar atrás de uma câmera, João Carlos Moreira não sugere nenhum tipo de acrobacia ou coisa que o valha. O ensinamento ofertado é simples - e sábio como só coisas simples conseguem ser. "A minha dica pra todo mundo que gosta de fotografar é uma só: olhe pra trás". Sim, é só isso. Afinal, um olhar é capaz de mudar muita coisa. "Se você está andando por uma rua, quando chegar lá adiante, vire-se em direção ao ponto de onde você veio. Você vai ver algo completamente diferente do que a sua visão inicial. É coisa de dois segundos. Olhe para trás e veja o que acontece. Você pode achar algo lindo que teria deixado passar se não virasse". Ao receber o pedido de definir sua relação com a arte de fotografar, é à beleza e ao amor que Moreira recorre. "Fotografia é um resgate do coração. Só o que nos toca é fotografado. No futuro, rimos, choramos ou ficamos indiferentes às coisas que estavam à nossa volta, às experiências que tivemos. De um modo ou de outro, é uma maneira de ver no futuro o que ficou no passado".

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