Recentemente, um vídeo do chef de cozinha Olivier Anquier viralizou nas redes sociais. Nascido na França e radicado no Brasil há muitos anos, nesse material, o chef é perguntado sobre qual ele considera a comida “mais brasileira” de todas. Sem titubear, responde: tacacá. E explica que o tacacá é feito com tucupi, um caldo amarelo extraído da mandioca, um ingrediente tipicamente brasileiro e de grande ligação com nossos povos originários; camarão seco, que representaria a “intervenção” portuguesa nessa culinária - ou seja, o toque do colonizador - e, por fim, a folha do jambu, o verde, que lembra a força da nossa floresta, da Amazônia.
O que chama a atenção do chef Olivier é algo que os nossos cozinheiros locais já conhecem e preparam há muito tempo. Não apenas o tacacá, mas dezenas de outros pratos aqui elaborados mostram para o Brasil e para o mundo, de maneira simples e genuína, a riqueza dos ingredientes e das misturas que podem ser consumidas a partir dos insumos encontrados nessa terra. A chamada culinária amazônica é uma experiência indispensável para quem quer conhecer o Brasil mais profundo.
É exatamente assim que pensa a chef paraense Daniela Martins, de 49 anos. Com 17 anos de experiência, Daniela é filha de Paulo Martins, um dos primeiros cozinheiros a apresentar a gastronomia do Pará e da Amazônia para o mundo. Foi com o pai que Daniela deu os primeiros passos na cozinha. “Então, a minha formação é muito mais uma formação de vida do que de escola”, resume.
E, claro, foi com ele que Daniela aprendeu a apreciar os ingredientes locais, únicos, como o tucupi, que o chef francês Olivier Anquier tanto enaltece ao falar sobre a culinária brasileira. “Não tem como falar do Pará, da Amazônia, e não mencionar os nossos ingredientes. Nós temos inúmeros ingredientes especiais, que são únicos na Amazônia. O queridinho, para mim, é o tucupi, que é um sabor que explode na boca, um sabor completo, que vai do doce ao ácido. Eu digo que um bom tucupi é aquele que entra altamente ácido na boca e vai descendo adocicado. Então, sim, esse é um ingrediente que eu uso de forma clássica e, também, de forma autoral”, explica.
Para Daniela, a biodiversidade existente na região protagoniza os pratos produzidos aqui, nessa parte do País. “Quando se fala de comida amazônica, nós temos desde a formiga como ingrediente até o açaí, que é uma fruta da qual a gente tira o suco, o caroço, com todo aquele cuidado que se deve ter. Ou seja, a gente encontra desde a raiz até a folha para comer. A gente come a planta inteira, basicamente. Então, assim, se não fosse isso, a gastronomia amazônica jamais seria a gastronomia mais falada do mundo hoje. E é isso que acontece, nós somos a gastronomia mais falada do mundo”, acredita.
Daniela também diz que aprendeu, em casa, a usar os insumos da cozinha paraense de maneira clássica, mas sem deixar de abrir as portas para novas possibilidades, o que faz com a que a nossa gastronomia seja, cada vez mais, universal.
“Eu nasci em uma família na qual sempre valorizamos muito o ingrediente, a nossa comida. Então, para mim, é muito fácil respeitar o ingrediente. Por mais criações, por mais maneiras diferentes que a gente use o ingrediente, pra mim é muito tranquilo entender o ingrediente. Antes, eu não aceitava as pessoas usarem de maneiras diferentes da nossa e, hoje, eu entendo. Porque a gastronomia é isso, é pegar um ingrediente e saber transformá-lo, sem perder as características, e é o que a maioria dos grandes chefes no Brasil agora fazem. Aprendem, provam o ingrediente e fazem com que ele não perca a sua principal característica, ou seja, transformam esses insumos em produtos maravilhosos. O ingrediente tem que continuar sendo ingrediente, mas ele também tem que ser modificado. Foi assim quando, pela primeira vez, me desafiaram a fazer um brigadeiro de tucupi. Para mim, foi uma coisa estranha, mas hoje eu faço de boa. Porque, tucupi, para mim, era uma coisa que se tomava altamente quente, jamais seria colocado num doce. Então, a gente tem que ir quebrando os tabus porque o mundo evolui e a nossa gastronomia tem que evoluir junto”, analisa.
Culinária de raiz amazônica
Outro expoente da chamada gastronomia amazônica é o chef, agricultor e pesquisador da cultura alimentar amazônica, Léo Modesto. Ele é reconhecido por valorizar técnicas ancestrais de preparo, como o avuado e o moqueado.
Natural da comunidade de Itajuba, no município de Curuçá, nordeste paraense, Léo cresceu em uma família de agricultores e aprendeu a cozinhar com sua mãe desde cedo, absorvendo os saberes tradicionais da culinária amazônica. Aos 18 anos, mudou-se para Belém em busca de novas oportunidades, onde iniciou sua trajetória na gastronomia.
Hoje, aos 39 anos, Léo define o seu trabalho como “algo que se tornou um propósito de vida”. Assim, embora não seja dono de restaurante, está envolvido com a agricultura familiar por meio de projetos específicos e faz da mandioca o seu carro-chefe. “Se me der uma mandioca crua assim, eu consigo extrair o tucupi, que é justamente para, a partir desse caldo versátil, fazer qualquer receita, seja ela uma entrada, um prato principal, até uma sobremesa. Então, nesse sentido, eu posso sim afirmar que a biodiversidade amazônica se reflete nos nossos prato sempre, a todo momento. Reflete tanto ao ponto da gente conseguir hoje ter uma identidade única. Há alguns anos, o filé com fritas dominava em qualquer restaurante. Hoje, todos os gestores de restaurantes, até de culinárias europeias, a exemplo da culinária italiana ou francesa, eles se adaptam, ou seja, têm que se adequar aos nossos ingredientes. Hoje, não tem um restaurante que não tenha um ingrediente amazônico, seja ele de qual for a vertente”, afirma.
E já que falou em tucupi, para Léo, a mandioca é a verdadeira “rainha do Brasil” pela versatilidade que permite a produção de alguns itens preciosos, como o já aclamado tucupi. “Não à toa, o chef Paulo Martins já dizia que o tucupi seria o shoyu do século XXI, ou seja, um shoyu que não precisa ter aquela caramelização, aquela cor escura para ele ter todos os sabores”, detalha.
O chef ressalta ainda que a gastronomia amazônica se diferencia justamente pela riqueza e variedade de insumos, que foram sendo trabalhados de maneiras distintas com o passar do tempo. “Penso que a nossa gastronomia é, de fato, uma conjuntura de vários fatores culturais e alimentares, sejam eles de raiz indígena, de matriz africana ou europeia. Então, a gente tem concentradas, aqui no nosso território, as três matrizes da culinária, logo, tem algo muito único e próprio. Fomos criando o próprio paladar e a própria identidade, adaptando principalmente ingredientes que poderiam ser feitos em qualquer parte do mundo, mas a gente adaptou ao nosso molde, aos nossos gostos”, avalia.

Expandindo a culinária ítalo-amazônica
Uma mistura única. É assim que podemos definir o trabalho da chef Ângela Sicília, especialista nas cozinhas italiana e amazônica. Atuando no ramo há mais de 30 anos - ela cresceu entre as panelas da Famiglia Sicília, restaurante fundado pelos meus pais, onde aprendeu a cozinhar e a acumular histórias -, define o seu trabalho como uma “gastronomia ítalo-amazônica”, que une a “técnica e a tradição italiana à exuberância dos ingredientes da floresta”.
“Meu propósito é manter vivas as raízes amazônicas enquanto apresento essa gastronomia ao Brasil e ao mundo. Levar a Amazônia à mesa de forma contemporânea e elegante é um desafio constante, mas também uma missão que me inspira diariamente. Participo de festivais e eventos gastronômicos nacionais e internacionais, mostrando que a cozinha ítalo-amazônica pode dialogar com qualquer cultura, sem perder sua autenticidade e força sensorial”, aponta.
Para Ângela, a gastronomia amazônica é uma das mais ricas expressões culturais do mundo. “É uma cozinha viva, generosa e diversa, que reflete o encontro entre o homem e a natureza”, detalha. E essa exuberância, segundo a chef, se mostra na grandiosidade de ingredientes como o jambu, o tucupi, o pirarucu, o filhote, o cupuaçu, o bacuri e a castanha-do-Pará. “Tenho um carinho particular pelo chocolate amazônico de origem, com o qual trabalho através da Gaudens Chocolates, valorizando o terroir do cacau paraense e os produtores locais”, acrescenta.
De acordo com ela, a biodiversidade amazônica é que dita a forma de cozinhar nessa região e até o ritmo do trabalho. “Cada prato é um tributo à floresta e às comunidades que preservam seu saber. Cozinhar na Amazônia é um ato de respeito, de conexão e de responsabilidade com o meio ambiente”, resume.
Uma cozinha ‘fácil’
Assim como ocorre com outros chefs já citados nesta matéria, a mandioca (e seus subprodutos) também é a menina dos olhos do chef paraense Thiago Castanho, um belenense filho de mãe bragantina e pai itaitubense. Ele lembra que a família sempre gostou de cozinhar muito, e, entre os ingredientes preferidos lá estava ela, a mandioca, ao lado de peixes variados, frutas amazônicas, entre outros ingredientes.
Aos poucos, à medida em que a carreira foi amadurecendo, Thiago foi percebendo a mudança na forma como o mundo passou a ver os insumos amazônicos e se apropriando deles também.
“Hoje, felizmente, a coisa mudou. Antes, a gastronomia amazônica era uma coisa muito nichada da alta gastronomia. Pouco se olhava aqui pro Norte e poucas pessoas conheciam. Na verdade, o que se conhecia era meio que uma versão de luxo, de colocar a Amazônia como um ingrediente para se usar em pratos pequenos. E tinha também o lado típico da Amazônia, que era a coisa pitoresca da comida daqui. Hoje, se mostra muito mais, graças às redes sociais e, principalmente, a todo o trabalho que foi feito por chefs como Paulo Martins, eu, Saulo [Jennings], entre outras pessoas que vêm fazendo o trabalho de divulgação. Então, as pessoas lá fora estão vendo o que é a real cultura daqui, tanto no lado gastronômico como no lado culinário. Hoje, por exemplo, já se entende que o açaí daqui é diferente do açaí que o mundo inteiro conhece; que a gente consome bastante mandioca, não só in natura, mas também como farinha, como tucupi, e a gente defende isso. E eu acho que a comida paraense, de certa forma, desencadeia toda a comida da Amazônia, porque ela acaba desaguando tudo”, observa.
Para Thiago, de certa forma, é “fácil” cozinhar na Amazônia, por toda a riqueza de insumos que o território oferece.
“Nossa cozinha é fácil de cozinhar, né? Porque, em grande medida, nossos ancestrais já tiveram um trabalho enorme de descobrir alguns ingredientes aí, como é o caso da mandioca, que, para mim, é o ingrediente legítimo mais importante da nossa região. Ou seja, mesmo tendo uma variedade que é venenosa, até hoje a gente consome essa mesma variedade e, até hoje, tucupi e farinha d'água são feitos dessa mandioca venenosa. Sem falar da maniva. Ou seja, sobre quantos subprodutos da mandioca podemos falar? E quantos ela ainda pode oferecer? Quantas receitas a gente não consegue fazer, por exemplo, com uma farinha d'água de Bragança? Então, esses são ingredientes que desencadeiam tanto receitas tradicionais quanto potenciais, como a gente aborda no Puba [restaurante que Thiago está abrindo em Belém], que são receitas do mundo inteiro, mas com ingredientes da região, tendo como base a mandioca. Então, ela é a nossa fonte sim. E a nossa culinária é muito fácil de cozinhar, eu costumo dizer que ela já está pronta da natureza. Ou seja, nós somos privilegiados”, argumenta Thiago.
Para ele, a COP30, Conferência do Clima da ONU que, neste ano, será sediada em Belém, também está abrindo ainda mais as portas da gastronomia da Amazônia para o mundo, o que é bom para todos.
“Acho que pra gente, que é daqui, a COP já está acontecendo, antes mesmo do evento. Muita gente já está rodando na cidade e conhecendo a nossa região. E aí, todo mundo ganha, o turismo ganha, o mercado ganha, as pessoas aqui ganham e a gente tem que aproveitar isso. E perpetuar”, conclui.

Sugestão de prato de cada chef:
- Chef Daniela Martins – Arroz suíno ao shoyu amazônico. Para acompanhar: suco regional. Onde encontrar? No “Lá em Casa Balcão” (Mercado de São Brás).
- Chef Léo Modesto – Poqueca de pirarucu, com picles de maxixes no tucupi, tomates confit e farofa de beiju xica. Para acompanhar: licores regionais. Onde encontrar? Léo comanda os projetos MANIUA Cozinha e Sítio Mearim, que unem gastronomia, agroecologia e sustentabilidade.
- Chef Ângela Sicília – Filhote na farofa de castanha com risoto de jambu. Para acompanhar: Cupuaçu Spritz, um coquetel leve e tropical que celebra o frescor e a identidade amazônica. Onde encontrar? No Restaurante Famiglia Sicília. (Endereço: Av. Conselheiro Furtado, 1420, Batista Campos, Belém, Pará).
- Chef Thiago Castanho – Taco. Para acompanhar: vinhos da carta de vinhos do Puba. (Endereço: Rua Veiga Cabral, 649, Cidade Velha, Belém, Pará).

Comentários
Neal Adams
July 21, 2022 at 8:24 pmGeeza show off show off pick your nose and blow off the BBC lavatory a blinding shot cack spend a penny bugger all mate brolly.
ReplyJim Séchen
July 21, 2022 at 10:44 pmThe little rotter my good sir faff about Charles bamboozled I such a fibber tomfoolery at public school.
ReplyJustin Case
July 21, 2022 at 17:44 pmThe little rotter my good sir faff about Charles bamboozled I such a fibber tomfoolery at public school.
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