Contador de histórias

Edyr Augusto Proença: o trabalho incessante de um autor que finca raízes na Belém nervosa, urbana e contraditória e a usa como mote para produção de sua obra

/ Por: Luiza Cabral/ Fotos Luiza Cavalcante
Contador de histórias
 Edyr Augusto: olhar aguçado para extrair da Belém escondida sob a rotina a inspiração para seu trabalho

 

O olhar passeia pelo mundo sempre pensando nas possibilidades que as cenas cotidianas oferecem. Coisas que aqui e ali podem render poesias, peças teatrais, histórias em quadrinhos, e até - por que não? %u2013 música. É assim que Edyr Augusto, jornalista, diretor do teatro experimental Cuíra e homem de criatividade múltipla, enxerga a vida e se expressa sobre suas nuances. E para isso não vai muito longe. O cenário que propicia inspiração, que rendeu uma bagagem com 11 livros e vários textos para teatro, está muito mais perto do que se imagina. É a capital paraense e as histórias diluídas no centro nervoso da cidade, nas ruas transversais que escondem personagens ora caricatos, ora de grande carga dramática.

A sensibilidade para enxergar entre os concretos da grande Belém narrativas que exalam poética fazem de Edyr um dos maiores representantes da literatura contemporânea do norte do país. Com um conto publicado no livro Antologia Pan-Americana, da Record, lançado no início do mês de dezembro, que reúne o melhor da produção literária das três Américas, o escritor paraense declara-se um autor %u201Cpouco lido pelos seus conterrâneos, mas bem aceito fora do Estado%u201D. Em entrevista exclusiva ao site da revista Leal Moreira, Edyr fala sobre esta e outras questões que assolam a mente inquieta e bem humorada de uma das figuras mais importantes da produção artística no Pará.

 Vamos ao começo de tudo... Como e quando você percebeu que tinha o tino para extrair poesia das palavras?

Comecei escrevendo para teatro. Uma prática que inevitavelmente me levou para a literatura. Além disso, minha relação com jornalismo também sempre me fez estar próximo do texto, da leitura. Tinha muito interesse pela literatura produzida pelos poetas marginais no Rio de Janeiro, que na época usavam muito a composição geográfica e cultural da cidade como pano de fundo para as suas histórias. Eu me identificava com aquilo e essa admiração por este estilo é perceptível na minha obra, que não tem fronteiras: vou de crônicas, poesias e romances a textos para teatro de humor e drama.

Esta versatilidade de estilos se une em um ponto: Belém está presente em toda a extensão da sua produção literária e teatral. O que faz você usar a Cidade das Mangueiras como cenário para as suas histórias fantásticas?

Ao falar de Belém eu quero que o paraense me leia e se veja, que ele sinta-se próximo, íntimo do que está consumindo. %u201CEu sei onde é esse lugar%u201D: é isso que eu quero que ele pense. E quanto ao leitor que não vivencia esta realidade, eu quero possibilitar um cenário atípico. Acredito que todos estão cansados de ver esses lugares comuns: Nova Iorque, Londres, São Paulo... A gente sente necessidade de respirar outros ares, mesmo que seja através de uma leitura. Sair de um eixo tão convencional é uma coisa que faz meu trabalho se destacar em outros lugares.

A sua literatura é bem consumida fora do Estado...

Muito mais lá fora do que aqui. A Boitempo (editora responsável pela publicação das obras de Edyr) me deu aquilo que eu precisava para meu trabalho chegar em todos os lugares. Minhas obras são bem distribuídas. Não recebo daqui o retorno dos leitores como em outros Estados.

Mas isso se deve à distribuição aqui no Pará?

Não. Aparentemente, é falta de interesse mesmo. As pessoas daqui olham pouco para a produção local. Coisa que não entendo, já que tenho certeza de que não tem como ser paraense e não se identificar com as histórias %u2013 pelo menos espacialmente - e com os personagens, que são tipos bem conhecidos de quem percebe a cidade onde vive.

Sua fonte de inspiração vem diretamente de uma área da cidade que é cheia de antagonismos e histórias incríveis, que se cruzam em situações adversas. Como você percebeu que a frieza dos concretos do centro de Belém rendia para a literatura?

Eu me alimento da realidade. Moro próximo à área comercial, o (teatro) Cuíra é localizado em uma área tradicional. Eu vejo este lugar com os olhos muito abertos. Quando estou escrevendo, tanto contos e romances como para o teatro, vou procurando as pessoas, olho para elas nas ruas e enxergo os seus pequenos dramas. Essas coisas vão se desenhando na minha cabeça. O centro da cidade é campo de observação para mim, é lá que as miudezas do cotidiano se misturam.

E quanto ao ritmo do teu texto? Seus livros são conhecidos pelo tom acelerado...

Este estilo que tenho, de frases curtas, rápidas e vertiginosas, nada mais é do que um reflexo do meu trabalho no rádio, veículo que participou de grande parte da minha vida. No jornalismo radiofônico o texto tem que ser veloz. O meu trabalho com publicidade e com teatro também influenciou nisso. São linguagens que necessitam de dinâmica e minha conexão com esta característica fica explícita no meu trabalho literário.

E o que você tem feito para teatro?

Eu sempre escrevi para teatro, mas agora, neste ano, tive a oportunidade de dirigir uma peça. E foi uma experiência incrível! É muito difícil você ter que além de pensar no texto, pensar também na movimentação, na fisionomia e no posicionamento dos personagens e orquestrar tudo isso. Continuo à frente do Teatro Cuíra, um espaço totalmente inusitado na geografia de Belém que, inclusive, tem incentivo da Leal Moreira. Conseguimos a aprovação em um edital da Petrobras e vamos trabalhar em duas peças em 2011: uma que ainda não fechamos o título, mas trata-se da história de uma famosa prostituta colombiana que trabalhou em Belém na década de 1940, e a outra é uma adaptação do livro "Rios de raiva", de Haroldo Maranhão. A peça baseada na obra de Maranhão vai ser um musical sobre o Governador Magalhães Barata.

E como foi a experiência de dirigir?

Eu gostei, mas não penso em voltar a dirigir tão cedo. Eu, hein, é muito trabalho! Eu nunca estudei para isso...  Sou, na verdade, apenas um autor. Dirigi %u201CAs Gatosas%u201D, que escrevi junto com Vera Cascaes, e depois dirigi %u201CSem dizer Adeus,%u201D baseado em um livro que conta como foram as últimas horas do Governador Magalhães Barata. Duas histórias bem diferentes, uma humor, outra drama.

Além de ser um bom observador, de onde vem a inspiração para produzir tanto?

A inspiração não vem todo dia. É uma questão de praticar. Você precisa ter técnica, vontade, habilidade e se dedicar a isso. Eu, particularmente, paro pelo menos uma hora e meia por dia para escrever. Também sou uma pessoa que é obcecada por informação. Isso tem muito a ver com a própria relação da minha família com o jornalismo. Meu pai e meu avô foram precursores da Radiofonia na Amazônia e isso tá no meu sangue. Todos os meus irmãos, assim como eu, são jornalistas. Gosto de contar histórias, de encaixar palavras e exercito isso com muito zelo.

Seu gosto por escrever fica bem claro no seu blog, página que você alimenta com frequência e onde discorre sobre assuntos diversos: de futebol à política. Você lida bem com as possibilidades da internet?

Eu gosto muito da rede. Como atualmente não estou escrevendo em nenhum jornal, é ali  que eu supro minha necessidade de escrever diariamente, mas, como não tem o cunho obrigatório de um veículo impresso, o faço quando sinto vontade. E é engraçado porque apesar de sempre estar à espera de um retorno, de um comentário de alguém que tenha lido um dos textos, o blog me serve muito mais como um diário do que como um canal de divulgação das minhas ideias e opiniões. Eu expulso minhas angústias e alegrias ali, sem pensar muito na recepção por parte do leitor. O que provavelmente faz a minha escrita ser mais livre naquele espaço.

 Autor de teatro, escritor, radialista... São muitas facetas...

Sinceramente, eu às vezes até penso que isso pode me atrapalhar. Eu me meto em muitas coisas, talvez isso seja até prejudicial. Poderia me dedicar a uma coisa só, mas não consigo. Sou curioso demais! Por exemplo, resolvi que estou de férias até ano que vem, mas já estou reunindo material para meus próximos trabalhos. E já adianto: vem por aí uma história de tráfico humano, ratos d´água e talvez um gibi.

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