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Amazônia Vestida: moda e design paraense ganham o mundo sem perder as raízes

No palco da COP30, em Belém, o Pará respira visibilidade e não apenas pela floresta. A moda e o design produzidos aqui têm conquistado cada vez mais espaço, expressando o que há de mais autêntico na Amazônia: o encontro entre tradição e inovação. Estilistas e designers reinterpretam cultura, transformam matérias-primas e reafirmam, em cada novo trabalho, que o Norte tem moda autoral diversa, potente e fiel ao seu pertencimento.

  Espelho do território - A criação paraense nasce do território e das pessoas. Cada tecido, textura ou cor carrega fragmentos das histórias de quem vive aqui, das comunidades ribeirinhas e quilombolas aos ateliês urbanos. Vestir-se, na Amazônia, é também uma forma de preservar e compartilhar essas memórias.

Quando um estilista incorpora o grafismo marajoara, a fibra do tururi ou os pigmentos naturais da floresta, ele não cria apenas estética: desenha território no corpo. Essa moda traduz um modo de viver que, por muito tempo, foi visto como periférico, mas hoje se afirma como um dos movimentos mais originais do país.

O diferencial da moda paraense está em sua capacidade de unir técnica e território, sustentabilidade e simbolismo. Em vez de seguir padrões vindos de fora, ela se reinventa a partir das próprias raízes, levando o olhar amazônico para novas linguagens e fronteiras.


Val Valadares: a força da ancestralidade com olhar contemporâneo

Nascida na comunidade quilombola de Jacundaí, no Pará, Val Valadares cresceu entre linhas e histórias. Aprendeu a costurar com a avó e, desde cedo, encontrou na moda um meio de expressar o que via e sentia ao seu redor. Em Porto Trombetas, fundou seu próprio ateliê de alta costura e construiu uma marca que une tradição e sofisticação. 

Durante a pandemia de 2020, Val foi convidada pelo Sebrae Pará a criar uma releitura da camisa marajoara dentro do projeto Cápsula Marajoara, idealizado para a COP30. O desafio transformou sua trajetória e a fez repensar a própria identidade artística:

“A ancestralidade fala por si própria dentro de qualquer estilo. No meu, especialmente, ela me direcionou por um caminho desconhecido até então. Foi um presente poder juntar o linho, que é um tecido ancestral, com o grafismo marajoara, produzindo peças em alfaiataria e mostrando para o mundo a nossa moda em estilo contemporâneo.”

Podemos dizer que o trabalho de Val é sobre traduzir herança em elegância. Embora reconhecida pela releitura da cultura marajoara, ela faz questão de destacar que seu olhar vai além do regionalismo:

“Mostrar minha visão artística independente da proposta regional ancestral que me foi dada. A minha essência é minimalista e isso pode ser aplicado em qualquer estilo, até mesmo dentro de uma tradição marajoara que geralmente é representada de outro modo.”

Com rigor técnico e senso estético apurado, ela defende que a moda feita no Pará é capaz de competir em qualquer vitrine, desde que se mantenha fiel à qualidade e ao propósito:

“O legado que eu desejo deixar pra todas as pessoas que trabalham com moda no nosso estado é que qualidade não é diferencial, ela é básica. Fazer moda com qualidade é o que faz atravessar fronteiras e ir mais longe do que o imaginável.”

E completa, com um pensamento que ecoa o espírito dessa nova geração criativa:

“O mundo precisa entender que em qualquer país, região ou estado pode ser produzida moda em todos os estilos e segmentos. Porque a moda é capaz de evoluir em todos os sentidos.



Jomaique Melo: do descarte ao desejo

Nascido em Soure, no coração do Marajó, Jomaique Melo é um dos nomes mais inventivos da cena nortista atual. Designer, figurinista, ilustrador e diretor criativo, ele encontrou no upcycling (processo de reaproveitamento criativo de peças e materiais), uma forma de transformar o que seria descartado em arte com alma.

“O upcycling se fez presente na minha vida desde 2016, quando iniciei na faculdade e nem sabia o nome do processo. Eu trabalhava com sobras de materiais e peças de brechó, e percebi que cada uma delas já trazia uma história. Ao ressignificar essas peças, eu crio novas histórias  e isso é muito poético, além de fazer parte da sustentabilidade.”

Com um olhar estético influenciado por referências alternativas, o estilista mistura o scary fashion, o clubber e o folclore amazônico de lendas, mitos, visagens, criando peças que oscilam entre a fantasia e a realidade.

“Meu trabalho é profundamente inspirado pela nossa cultura. A Amazônia possui uma riqueza imensa, que me inspira desde a infância. Nasci e cresci em meio a histórias de misticismo e lendas, e muito desse universo moldou a estética da minha marca. Sempre incentivo novos criadores a criarem a partir de suas vivências. Tenho orgulho de ser marajoara, amazônida e de criar a partir daquilo que vivo.”

Para Jomaique, a moda é uma forma de mostrar a Amazônia como protagonista a partir de quem vive nela.

“Fazer moda a partir do Norte, pra mim, é sobre devolver o olhar. Durante muito tempo fomos observados de fora, como se fôssemos apenas cenário ou inspiração, mas nunca exemplo. Hoje, o que me move é justamente inverter isso: mostrar que também pensamos moda, criamos estéticas incríveis e temos discurso. Fazer moda daqui é falar de pertencimento, é criar com o que se tem e transformar o cotidiano em arte.”

E é com essa convicção que ele amplia a discussão sobre o lugar do Norte na moda brasileira. Para Jomaique, a Amazônia inspira novas formas de criar, consumir e se relacionar com o mundo. A sustentabilidade, aqui, pode ir além de preservar a floresta, regenerando ideias, valorizando pessoas e transformando realidades por meio da arte e da cultura.


“É uma oportunidade de mostrar que a Amazônia não é só pauta ambiental, mas também território de criação e identidade. A moda paraense traduz o que é viver aqui: nossas cores, texturas, histórias e ancestralidades. O Norte não é periferia de nada. O que fazemos aqui tem autenticidade, narrativa e poder simbólico.



Barbara Muller: o design que escuta a floresta

No universo do design de joias, Barbara Muller traduz, com sensibilidade, a união entre o fazer artesanal e o olhar contemporâneo. Suas peças, esculpidas manualmente, carregam traços únicos que preservam a naturalidade da matéria-prima e a marca do gesto humano. Em diversas coleções que já ganharam vida e destaque no maior evento de moda da América Latina, o São Paulo Fashion Week, a designer valoriza o tempo do processo e o diálogo constante entre arte e natureza.

  “Meu trabalho parte do dia a dia de quem vive de verdade a região amazônica. O design contemporâneo entra como ponte que traduz essa relação em objetos e joias com alcance global, mas enraizados no território. Cada peça é resultado de um encontro entre técnica e territorialidade, entre o olhar do designer e a mão do artesão.”

Barbara atua também em consultorias com comunidades tradicionais sempre a partir de um processo de escuta e convivência.

“Os processos de consultoria partem sempre de troca e reconhecimento. Compartilho técnicas de criação e recebo histórias incríveis, que viram material precioso para que eles possam aplicar em seus produtos. É uma experiência que nos lembra que o produto também é uma forma poderosa de manter vivas essas histórias.”

A designer acredita que o diálogo com as comunidades é parte fundamental de um novo modo de pensar o design:

“O diálogo com as comunidades transforma o processo criativo em um campo de geração de renda e pertencimento. Incentiva a autonomia, a circulação do saber local e o reconhecimento da cultura amazônica como fonte legítima de inovação.”

De fala serena e olhar apurado, Barbara reflete sobre os desafios de criar a partir da floresta, com coerência e sensibilidade:

“O design amazônico, pra não ser contraditório, precisa ter diálogo e escuta. Sustentabilidade não pode ser uma tendência, precisa ser condição de existência. É preciso escutar o tempo da floresta, suas formas, suas reações. Isso é o que o mundo também pode levar de lição: olhar, se relacionar e ouvir a floresta sempre.” 

Em um mesmo momento em que os estilistas reafirmam o poder criativo do Norte e a capacidade da moda paraense de dialogar com o mundo, a designer amplia esse olhar ao conectar arte, cultura e sustentabilidade. Para ela, a Amazônia tem muito mais a oferecer do que recursos naturais, é também um território de ideias, de estética e de inovação. 

“A COP30 representa uma oportunidade histórica para o mundo finalmente ouvir a gente, compreender não apenas os desafios ambientais, mas também culturais e criativos. Ao colocar Belém no centro das discussões globais, a gente mostra que nossa criatividade também é uma forma de resistência e regeneração.”

A expansão da moda e do design paraense é reflexo de um movimento mais amplo: a redescoberta da Amazônia como território criativo. Esses artistas e designers não estão apenas produzindo roupas ou joias, estão redesenhando a forma como o mundo enxerga o Norte. 

 Entre fibras, tecidos e metais, o que se costura é um novo imaginário. Um imaginário que veste pertencimento, que devolve a voz a quem cria com o coração da floresta. E se a COP30 é o palco do clima, ela também é, e precisa ser, o palco da cultura. Porque o que nasce da Amazônia não é tendência: é resistência.